quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

1/19/2006 10:00:32 PM




Minha coluna está no ar no site da Superinteressante. Confira o novo desafio do Consultório Poético.


AINDA É TEMPO DE VIVER

Pintura de Juan Gris


Fabrício Carpinejar





"Se faltarem alguns (importantes) detalhes, pode o amor permanecer? Ou ele sobrevive por si só, pela sua força e grandeza? O amor deriva daquela paixão enlouquecida que nos pede mais e mais, até que se consolida e muda de cara. O amor deriva de um emaranhado de sensações e sentimentos, de procuras e encontros. Mas só vive, efetivamente, quando é acarinhado, bem cuidado, mimado. Mas o amor não se explica e, consequentemente, não se explica o fim dele. Depois de morto, há reencarnação para o amor? Ou melhor, há nova vida para o amor que se sente por uma determinada pessoa? Pode ele morrer e renascer? Como?"


Ramona, o amor não termina, o amor é abandonado. Deixa-se de cuidar dele, de alentá-lo, de provocá-lo. É largado de lado, como uma bicicleta que perde o fio luminoso das correias. A bicicleta continua na mesma garagem, mas há preguiça de consertá-la. Qualquer um vive sem a bicicleta, recorre ao carro, ao ônibus, ao trem, às próprias pernas. Mas não existe como apagar a sensação dos cabelos voando para trás em uma lomba, a vertigem da alegria. O amor é insubstituível, ainda assim é possível fingir que ele não existe.


Ninguém deixa de amar e me arrisco ao fazer essa afirmação. Deixa-se, entretanto, de alimentar o amor. O corpo se condiciona a jejuar. O corpo aceita o que damos a ele. O corpo é um indigente. Acostuma-se a receber esmolas quando poderia trabalhar para se sustentar.


É um faz-de-conta. Mais fácil acreditar que acabou o amor do que resolvê-lo, do que arriscar as aparências. As pessoas, muitas vezes, se preocupam em dizer que estão felizes, em provar que estão felizes, do que em aceitar a espontaneidade das relações. Os erros espontâneos das relações. As virtudes espontâneas das relações. O amor não depende de provas. Ele é invisível, pede somente que sejamos visíveis por ele.


Quando é amor (e não atração ou carência) não há como enterrar. Ele fica pairando sobre as fotografias, os costumes, os nomes das coisas e dos lugares, pronto para falar. Amor verdadeiro manda na gente. Por isso, não se explica o fim dele. Quem ama pode até se enganar para continuar vivendo, mas viverá recalcado e confuso. O amor não depende do que é certo ou errado, do que é normal ou direito, escapa ileso do julgamento.


Ele permanecerá dentro, com a argola pronta para ser puxada. Ainda que seja uma granada ou uma aliança. O amor é a linguagem que se criou para nomear o mundo. Como fugir da linguagem fundada por dois amantes em segredo? O amor não precisa morrer para se reencarnar. Conheço casais que viveram separados por anos e, sempre que se encontram, tremem de susto por um beijo ou uma aproximação. Vão viver à espera de uma coincidência. Que triste, né?


O amor não renasce, nós que renascemos para ele. Vive-se para se proteger do amor, a verdade é esta, dura e particularmente impessoal. Somos educados a reprimir o amor, a não deixar que ele entre, porque ele incomoda e desarticula. Somos educados a dizer não às verdades, a deixar para depois, a pensar primeiro na estabilidade financeira.


Não esqueço uma lição da minha avó. Ela lia os obituários do jornal. A primeira seção que consultava. Observava com atenção a história e as fotografias dos falecidos para encontrar semelhanças com a sua. Um dia perguntei porque ela fazia isso. Respondeu: "para ficar com medo da morte ao invés de ficar todo o tempo com medo da vida".


Pode mandar cartas com suas dúvidas de relacionamento para carpinejar@terra.com.br

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