quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

3/3/2004 08:50:12 AM

FERNANDO


Tua bondade está bem guardada, é certo. Mas não serei eu a remexê-la. O meu passado é como soro, vou liberando aos poucos. Quero reinventar minha vida antes e depois de ti. Não tenho a pretensão que me libertes. Pretensão do homem de pensar que toda mulher precisa ser libertada, convertida, compreendida. Percebo nesse apelo tua infância no seminário. Eu não posso ser tua igreja. Minha liberdade é a aparência e me esforço por mantê-la. Meu vício é me demorar na superfície, tomando luz, enquanto aperfeiçoas o azul e a profundeza. Cada um se completa do jeito que pode. Talvez seja teu medo de morrer em mim. Esqueces que a delicadeza surge de teus pequenos gestos, como descascar uma tangerina no inverno e descansar comigo na rede. Procuras o mais difícil. Desejas me impressionar e passas fora todo dia a caçar a linguagem, quando o que anseio é que somente permaneças ao meu lado. Mesmo que seja com fome. Mesmo que seja em jejum. Talvez seja a proximidade de teu aniversário. Talvez essas cartas sejam uma maneira de te organizares. Tu és, ao mesmo tempo, o destinatário e o remetente. Na verdade, eu não existo aqui, eu existo onde não escreves. Ficas irritado que não serei tua metáfora ou tua personagem, que sou carne que vai amadurecer de qualquer jeito, ainda que longe da árvore, ainda que abrasada ao vento. O problema não é tua ausência, é que tua ausência é a memória da minha. Me abraça antes que me sinta tão só, tão sol escurecido.


Beijos

Aline

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