quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

4/10/2004 10:57:48 AM

Jornal Zero Hora, caderno Cultura, Porto Alegre (RS), 10/4/04 Edição nº 14111:


Literatura

As letras do Sul na Bienal

Autores gaúchos marcam presença no maior acontecimento literário do Brasil


Um dos maiores eventos editoriais do mundo, promovido pela Câmara Brasileira do Livro, a Bienal do Livro de São Paulo chega à 18ª edição. De 15 a 25 de abril, nos 45 mil metros quadrados do Centro de Exposições Imigrantes, na zona sul da capital paulista, um público esperado de 600 mil pessoas terá contato com mais de 150 mil títulos que cobrem todas as áreas da literatura e do conhecimento, representando uma oferta que ultrapassa a casa de 1,3 milhão de exemplares.


Os números da Bienal, sempre espetaculares, justificam-se neste ano pela comemoração dos 450 anos da cidade de São Paulo, aniversário que será comemorado com toda a pompa e circunstância. A palestra inaugural, Livro é Vida, será proferida pela escritora gaúcha Lygia Bojunga - recentemente vencedora do prêmio Astrid Lindgren Memorial Award 2003 -, no dia 16 de abril, às 11 horas. Na programação constam ainda nomes como Nick McDonell, Carlos Heitor Cony, Ziraldo, Cristóvão Tezza, Gavino Ledda, Adélia Prado, Leonard Mlodinow, Carlos Fino, Luzilá Gonçalves Ferreira, Silvano Santiago, Pedro Bandeira, Nélida Piñon, Tatiana Belinky, José Mindlin, Maurício de Sousa, Marina Colasanti, Marcelo Rubens Paiva, Paulo Caruso, Ignácio de Loyola Brandão, Leonardo Boff, Rubem Alves e muitos outros nomes expressivos da literatura nacional e estrangeira.


A Feira do Livro de Porto Alegre, no ano em que chega a sua 50ª edição, será lembrada: a diretoria da Câmara Rio-Grandense do Livro e representantes do governo do Estado receberão homenagem especial pelo cinqüentenário da mais antiga feira de livro do Brasil.


Entre os convidados gaúchos, Lya Luft e Moacyr Scliar já confirmaram sua participação. Outros quatro autores nascidos no Rio Grande do Sul, que estão presentes no cenário literário nacional, voltam a empunhar as canetas para autografar novos volumes: Amilcar Bettega Barbosa autografa um volume de contos, Os Lados do Círculo, que promete repetir o sucesso de Deixe o Quarto Como Está. O jornalista Fabrício Carpinejar chega a seu sexto livro, Cinco Marias, firmando-se como um dos maiores nomes da poesia contemporânea. Luís Antônio Giron, editor de cultura da revista Época, autografa Minoridade Crítica, amplo estudo sobre a ópera e o teatro nos folhetins da corte, entre os anos de 1826 a 1861. Também jornalista, Michel Laub, da revista Bravo!, chega a seu terceiro livro, Longe da Água.




Literatura


Fabrício Carpinejar

CÍNTIA MOSCOVICH

Foto(s): Emílio Pedroso/ZH


Na edição do dia 31 de outubro de 2045, a página 42 do Diário do Sul, de São Leopoldo, traz a notícia de um crime em circunstâncias singulares: quatro filhas e a mãe - conhecidas na cidade como as Cinco Marias - enterraram no pátio da casa o corpo do pai e marido, o médico e também escritor Mauro Ossian.


Vítima de amnésia, a mãe, a professora de música e poeta Maria de Fátima Ossian, jura que não havia enterrado o marido: o sepultamento teria sido dos livros da biblioteca da casa. As quatro filhas confirmam a versão materna.


Com esse mote, o poeta Fabrício Carpinejar tece seu sexto livro, Cinco Marias, que é o diário das cinco mulheres, somatório de vozes que vivem, a um só tempo, a miséria e a grandeza familiar. À intriga mirabolante, o poeta contrapõe uma ode à simplicidade: são versos curtos, estrofes enxutas, em que a poesia se transfigura num notável exercício de essencialidade e plurissignificação. "A vida recusa principiantes", escreve Carpinejar, num verso que, mais do que um jeu de mots - o autor não se adequa ao perfil de mero frasista -, expressa o ideário de sua poesia, que é reunir palavras absolutamente necessárias, que se escoram umas às outras. "Procuro a música do osso", diz ele, tentando trocar-se em miúdos.


Por primeira vez dando voz a figuras femininas (seus livros anteriores tinham assumido dicção masculina), continuando ainda com poesia de extração narrativa, de ações encadeadas, Carpinejar procurou na própria biografia sua fonte: foi achar o jogo de cinco-marias da irmã, almofadinhas com areia que serviam às brincadeiras da infância.


- Usei o brinquedo porque acho que nele, como na poesia, há uma seriedade dramática. Quando a criança brinca, e quando se escreve, não há nada mais importante no mundo - fala o autor, preparando-se para ir a São Paulo, onde deverá lançar nacionalmente o novo livro.


Apreciador do universo feminino, Fabrício ensina o que aprendeu pela observação:


- O homem procura a sabedoria fora dele. A mulher sabe que a sabedoria está no próprio corpo.


Em Cinco Marias, o pai é figura desagradável e desagregadora: seu beijo na testa das filhas denuncia um hálito capaz de estragar o mais fino dos vinhos: "Não importava a safra, / poderia ser a melhor, / ela azedava em sua veia", fala o poeta.


Aos 31 anos, Fabrício chegou a um patamar de maturidade em que foge à mitificação: agora, a imperfeição o impulsiona ("Fazer as coisas pela metade / é minha maneira de terminá-las", resolve) Num esforço de plasticidade descritiva, o poeta circula pela casa das Cinco Marias sem medo de lidar com o imundo da existência - e da morte - que mora ali. Fabrício descarna suas personagens e a respectiva loucura, oferecendo a poesia lapidada: "Desistam de planejar o desfecho. / Não morreremos com nobreza. / Toda morte é um vexame. / Não nascerei de novo, / a morte é que se renova".


Premiado no Brasil e no Exterior, jornalista por ofício, Carpinejar lançou no final de 2003 Caixa de Sapatos, em que reunia poemas dos cinco livros anteriores e que será publicada em Portugal. Com seu novo livro, o autor espera recomeçar seu trabalho poético detendo-se no detalhe e na miudeza, fruto da observação de um olho caprichoso.


- Sempre fui um espectador do jogo de cinco-marias de minha irmã, naquela atitude de educar as pedras até o ponto de as próprias pedras serem mãos - conta o poeta.


Frase de quem aprendeu a educar as palavras até torná-las poesia.


CINCO MARIAS. Bertrand Brasil. 123 páginas. R$ 19

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