quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

3/28/2004 07:05:03 PM

FERNANDO,


Não roncas aqui, é certo. Sono sinfônico, em seqüência, afastado das preocupações hostis e da mudança de temperatura. Eu te vejo tocando a gaita, ensimesmado, o rosto torto como uma ladeira para descer os dedos. Lembras? Eu brincava dizendo que tu escovavas os dentes com música, o lamento alegre, a boca assobiando o musgo da pedra, espremendo a chuva mais antiga.


Quando eu ficava longos períodos sozinha em casa, fazia café. Eu que não gostava de café. O cheiro do café diminui a solidão. Minha arrogância era somente timidez. Eu não sabia reagir aos presentes, aos elogios, a essa felicidade súbita de ser agarrada pelas costas (que mania a do homem querer agarrar a mulher na cozinha, nunca entendi isso). Minha timidez piorou em prepotência. Parecia insensível por sentir demais. Parecia indiferente por excesso de atenção. Tanta coisa por dizer e ainda é pouca uma vida para se lembrar. Tanta coisa para calar e ainda é pouca uma vida para esquecer. Já notaste que uma mulher ao elogiar a roupa de uma outra, logo recebe de resposta que a peça "não custou caro". Bate a culpa pela vaidade. Por que nos explicamos? Por quê? Sobre tudo o que vivi contigo, eu respondo: "não custou caro". Sei que não é verdade. Sabes que vou arredondando os preços por baixo, para não causar nenhum atrito, nenhum ciúme, nenhuma inveja. Eu me vendi por menos, mas me comprei por mais.


Beijos

Aline

Nenhum comentário:

Postar um comentário