quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

3/13/2004 11:59:20 AM

ALINE


Está frio aqui. Como a vez que meu pai me empurrou no rio com roupa e tudo. E o tecido grudava como um osso sem pele. Eu ainda escuto a chuva e a chuva me avizinha de tua voz. Estive muito perto da loucura e toda vez que me aproximei dela pensei que fosse morte e voltei atrás. Não tive coragem de me superar e ver o outro lado. Nunca pensei que a terra do corpo fosse tão espessa. Ver teu outro lado, sem minha opinião te condicionando. Se há uma morte para amar, que sejas tu. E mais ninguém. Não saberei dizer o que vivi para outra pessoa. Deus é também um estranho. Tua existência é a única que contesta a minha. Debaixo das crinas e cinzas, dos cachos e cabelos, das plumas do som, quero ficar, aquecer-me como quem senta no meio-fio de uma calçada, para rezar os carros que passam. Eu que passei a infância a disputar com meu irmão o tipo do carro que apareceria em nossa pacata rua. Nos trapos tristes, há chuva. Nos objetos abandonados, há chuva. Nas mulheres com véu, há chuva. Na esquina soluçando um velho, há chuva. O mundo cansou de escorrer. Até a água está cansada de nos ferir. O inverno não deixa de ser um mendigo. Eu me lembro de coisas triviais, como tu urinando no escuro, com medo que eu ouvisse. O que está separado não está perdido. O que está perdido é inseparável. Uma vida nunca está definitivamente seca. As roupas nos esperam. Eu não me lembro dos meus pés. Dos meus cotovelos. Não lembro dos elevadores, da lã amontoada no umbigo com as camisas novas. Não lembro se as papoulas são verdes ou feno pisado por cavalos. Não lembro dos teus olhos, mas não esqueci de teus cílios, o tamanho deles, os cílios guardando a chuva, o espaço para dois. Não gosto daqui, não gosto da morte, há lugar demais e parece que não vamos chegar. Corto o meu tempo e cada gomo é tua boca.


Com amor

Fernando

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