quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

3/19/2004 09:44:02 AM

Da série

MINHA ADOLESCÊNCIA É UM QUARTO DE EMPREGADA


Pior do que ter vergonha do passado é ter vergonha do futuro. Na adolescência, eu amava o que eu não era, o que não deixa de ser uma forma de amor. Depois passei a amar o que eu sou, o que não deixa de ser uma forma de desentendimento. Já fui muitos e bem poucos. Poucos muitos. Usava cabelos compridos até a cintura com uma franja de dupla sertaneja. Exibia um brinco de cruz, de latão, como Nina Hagen. Andava com um chapéu preto de meu avô. E, ainda por cima, vestia um macacão de mecânico. A Ana, se me conhecesse assim, olharia meus sapatos para não reparar no resto. Pior para ela: eu calçava sandálias. O cúmulo da breguice é que eu me achava elegante, pessoal e intransferível. Tinha razão em me achar único: ninguém faria essa combinação ridícula. Não havia festa que não aparecia com esse modelito. Era início da faculdade. Eu me achava tão cheio de si que somente poderia ser vazio. Lembro que puxava discussões por cisma, para irritar. Barulhava no fundo da turma como quem festeja o início de suíça. Em uma aula mofada como tarde de domingo, levantei a mão e perguntei ao professor: "se poderíamos estar mais mortos?". A aula terminou ali. Fui festejado pelos colegas, mas percebi que o professor lavou o rosto para evaporar a umidade verde dos olhos. E nunca fui grande o suficiente para pedir desculpa. A vontade de ser livre se transforma em arrogância. Pensamos que estamos sozinhos quando não estamos e depois ficamos sozinhos de tanto pensar que estamos. Em algum trecho de minha vida, eu me isolei para sobreviver e não sobrevivi ao próprio isolamento.

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