quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

2/29/2004 10:30:41 AM

ALINE


Tão estranho escrever uma carta para quem mora comigo. Nosso silêncio aumentou. No jantar, eu percebi que ficamos mais nos olhando do que falando. Eu pensava que isso mostrava nossa falta de assunto, nosso desinteresse, nossa absoluta distração ao que cada um faz e pensa. Reparava em casais antigos, que cortavam a verdura com lentidão e não trocavam uma única palavra. "Não quero que isso aconteça comigo", desabafava. E agora estamos mudos, garfando devagar, não incomodando a perfeição calada. Descobri que o silêncio fica mais feroz depois de casados. O silêncio é finalmente adulto. Não é negativo. Não mais olhamos; absorvemos, sugamos. Já nos antecipamos aos pensamentos um do outro, como duas fés rezando. Não quero interromper teu Deus, mesmo sofrendo com a curiosidade, mesmo desejando saber o que conversa com ele com tamanha devoção. O silêncio é uma convivência intuitiva. Pressinto tuas idéias se formando, ganhando corpo, o vinho te deixando à vontade, teus pés vestindo meus pés debaixo da mesa. Não estamos nos calando, mas falando em novo idioma. Um idioma só nosso, que não deixamos escrito para que ninguém possa destruir o segredo. O silêncio é não deixar escrito.


Do teu amor,


Fernando

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