
Não tenho idéia do que esgotou minha vida: o pai que deixou a casa, visto como um algoz, ou a mãe que ficou como vítima. Uma verdade que insiste em ser repetida não é verdade. O que me faz mais mal? Eu queria tua traição, teu abandono de casa, que me tomasses por outra. Eu tenho ciúmes do que não fizeste. Por que não me deste motivos para te odiar? Tudo fica mais complicado. Por que não foste meu pai para eu ser minha mãe? Eram os únicos papéis que eu sabia de cor. Eu queria ser vítima, não te perdôo por me teres dificultado, por me fazer ser o que ninguém me ensinou. Minha vó me dizia: o pior homem é o que dá certo. Ficaste comigo como um cavalo calado, com uma compreensão que é bem melhor do que a paciência. Me preservaste. Não falaste minhas inconfidências a estranhos, não me tornaste pública, apagaste as bobagens. Me preservaste até de mim.
Estou derramada de escuridão. Cortaram-me os cabelos. Não, tu não notarias. Percebes apenas quando aparo as sobrancelhas. Traço fino, nanquim. Corria entre lápides e ciprestes, derrubando vasos e flores. O cemitério era o meu terreno baldio. Minhas bonecas tinham suas camas de pedra. Visitávamos estranhos, fazíamos chá e bolachas de folhas. Meus olhos de vidro nas bonecas. Eu não paro de correr. Sou indecisa até para escolher um epíteto. Vivi confortável como uma citação, entre tuas aspas.
Beijos
Aline
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