quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

3/22/2004 10:33:40 AM

FERNANDO


Nosso terraço ficou espremido entre dois edifícios. A cada andar novo dos vizinhos, perdíamos uma porção de sol nas roupas. Virei hamster girando a roda para entreter o tédio dos apartamentos. Alheio, dizias que uma figueira exalava o sol escuro da terra. Tuas metáforas te protegiam e eu permanecia vulnerável em minhas lacunas, em minhas verdades rudes que nunca foram pacientes para alcançar as palavras certas.


Sempre cheguei atrasada. Nas aulas, no cinema, no médico, no salão. Em tua vida, não foi diferente. Se eu tivesse a consciência que agora descobri, me deixaria mais ao léu. Eu me reprimia quando ninguém cobrava, eu me deprimia quando cobrada. Hoje quero colocar a perna para te atrapalhar na troca de marcha. Quero escutar músicas para denunciar a minha idade. Quero levantar o braço para fora da janela e regrar o vento com a ponta dos dedos. Fazer uma escultura do vento.


Eu me esforço para esquecer as coisas, mas elas persistem em minha letra. A lista do mercado, por exemplo. Ela acaba sendo desnecessária porque a memorizo depois de anotar. O mesmo acontecia no colégio. Na hora da prova, não usava a cola, apesar de portá-la como pulseira de relógio. Eu demorava horas a repassar as lições em letra miúda, a fazer um rolo de respostas, e assim decorava os mínimos detalhes. Não consegui me transgredir. Amar é também não amar. Deixar algo intocado, algo para amar depois. Amar é violentar o próprio amor para que ele não se esgote cedo demais.


Beijos,

Aline

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