EU ME OLHANDO DE PÉ NA PRAIA
(COMO UM MORTO DESCREVE UM SEMIMORTO)Gravura de Miró

Mais da metade são pernas. Corpo frouxo de quem ainda não se acordou e pouco unificou os nervos. Um gafanhoto se não fosse homem. Mesmo homem, ainda gafanhoto. Irregular, desproporcional, fincado em pés derramados, preguiçosos, sem curva e acabamento. Um gafanhoto com patas de pato. Uma rua sem calçada. O calção preso a um varal, não a um quadril. Os ombros lembram ovos em água quente. Ossos saltando na plataforma de pesca do pescoço. A pele branca como uma tela rebatendo o sol. A barriga proeminente, avantajada pela postura curva. Movimento de serpente andando fora de lugar, entre o mar e o céu. O drama do rosto, turvo, isolado do corpo patético, fechado em outro quarto. As pálpebras caídas tentando levantar as sobrancelhas com naturalidade, apesar do excesso de azul que se aproxima com o vento. Diante do sol do meio-dia, sua sombra preenche apenas a circunferência de uma bacia.
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