quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

4/20/2004 09:55:37 AM

Da série NINGUÉM É O MESMO, MESMO QUE SE REPITA

Gravura de Chagall


Fabrício Carpinejar


Quem pensa que está fora do amor entra. Quem pensa que está dentro sai. Ele engana sua força. Sobrepõe a memória dos sentimentos na memória dos fatos. É procurar cabelos para completar as mãos, é procurar o que não se viveu para contar. É esperar o sol aquecer o lado ileso da cama. É não apagar direito a ausência, a letra, o cheiro. É insistir com respostas sem as perguntas. É podar o arbusto de água. É pão ruivo antes do mel. É idioma acumulado nas calhas. Não há descrição fiel que o possa explicar. Adiar o amor ainda é cumpri-lo. Fingir que não se sente é exercê-lo. Desdenhar é elogiar. Ofender é trocar palavras. Odiar é desesperar o atraso. O amor devora os sobreviventes. Não lembra do pente, da navalha, da tesoura de unhas, do jornal, do abajur. O amor não lembra do que precisa. Amor é não precisar de nada. É precisar do que acontece depois do nada, ainda que não aconteça. A fraqueza é força física. O endereço é genealogia. O amor confunde para se chegar ao mistério. Embaralha para não se ouvir. Perde-se no próprio amor a capacidade de amar. Quanto mais violento o primeiro amor, mais difícil será o segundo amor. Quanto mais violento o último amor, mais calmo é o primeiro amor. As frutas postas na mesa não estão à espera da fome, ainda estão à espera da árvore. A fome é uma árvore que cresce deitada e arranca o telhado do corpo. Amor é comer a fruta do chão. O chão da fruta. O amor queima os papéis, os compromissos, os telefones onde havia nomes. O amor não se demora em versos, se demora no assobio do que poderia ser um verso. O amor é uma amizade que não foi compreendida, uma lealdade que foi quebrada; o amor é um desencontro por dentro.

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