PACOTES DE PAPEL
Da série MINHA INFÂNCIA NÃO ATRAVESSA A RUA SOZINHA
Gravura de Chagall
Fabrício Carpinejar
As formigas entraram em meu teclado. Piso nelas em cada letra. São formigas quase transparentes. Ruivas. Eu diria que são formigas fantasmas, mas não acredito em fantasmas. Na minha infância, não havia sacolas de plástico no supermercado. Eram sacos de papel. De vez em quando, os pacotes se desmanchavam, dependendo da ordem da comida, e as compras tombavam ruidosamente. O pão de casa era um só, grande. Minha mãe o cortava sempre em quinze fatias. Não errava as porções em nenhuma janta. Não beneficiava ninguém. Antecipava-se aos ponteiros. Cada um recebia três nacos. Até hoje não ultrapasso minha cota. Eu acostumei minha fome à trinca de rodelas. A casca ficava por último. A casca é a verdura do pão. O miolo amaciava o sorvo. Não precisava cobiçar o outro prato. Meus olhos não usavam talheres. Eu jurava que todo sonho na infância já era uma forma de ser adulto. Havia um calendário na porta da geladeira. Meu pai jogava dominó com os dias. Nunca tive dinheiro para pagar a diferença entre meu nascimento e minha morte, por isso continuo vivendo. Os caroços que arremessava na terra não cresciam em árvores. Deveriam crescer para pássaros. Tudo que não germina no chão germina em vôo.
quinta-feira, 7 de janeiro de 2010
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