quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

4/27/2004 12:06:16 PM

O HOMEM QUANDO CHORA

Da série NINGUÉM É O MESMO, MESMO QUE SE REPITA

Gravura de Oscar Kokoschka


Fabrício Carpinejar


O homem quando chora dilata as narinas. Ele não chora, soluça mais do que o choro. Grita sem voz, sem ritmo. Sopra para dentro o que deveria jogar para fora. O lugar de sua barba arde como orvalho. O homem quando chora chora com os pés e as mãos. Desaba na lâmina dos dentes, corta o pulso dos dentes, roendo as unhas dos dentes. O homem quando chora é um animal de pedra doendo a altura do mar. O homem quando chora chora para não se enxergar chorando. O homem quando chora segura a maçaneta para não sair. O homem quando chora usa os cotovelos para ficar longe de sua dor. O homem quando chora fuma o próprio choro. Mastiga a raiz do que julgava vôo. O homem quando chora embranquece os olhos. A cor de espuma que havia nos olhos. O homem quando chora chora com raiva, como quem se ofende. O homem quando chora não pensa em ninguém, nuito menos em si, não pensa. O homem quando chora lambe as palavras como patas. O homem quando chora se envergonha de claridade. O homem quando chora é como uma mala sem roupas, uma estante sem livros. O homem quando chora se enruga em erva e velhice, encosta-se ao muro. O homem quando chora aperta as mãos como uma toalha antiga. O homem quando chora suja o rosto do que não aconteceu. O homem quando chora é um indigente que dá esmolas. O homem quando chora é uma mulher que não amou. O homem quando chora é um tronco adivinhando o ar. O homem quando chora toma café sem açúcar, almoça sozinho, bebe duas vezes a mesma lágrima. O homem quando chora é imprevisível como um vinho de garrafão, irresponsável como um guarda-sol com excesso de vento. O homem quando chora quer jogar futebol na chuva.

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