quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

2/10/2006 10:49:51 AM

SEXO DEPOIS DOS FILHOS

Pintura de Marc Chagall


Fabrício Carpinejar





Felizes são os pais. Insones, madrugadores, boêmios do leite quente dos filhos. Felizes são os pais, que não amam por amar, amam com violência e vontade vencendo o cansaço, o sono e as dificuldades de estarem sozinhos. Felizes são os pais, sempre interrompidos pelos filhos pequenos bem na hora que a preliminar aqueceu. Felizes são os pais, que insistem em recomeçar quando a maioria das pessoas dormiria e desistiria.


Felizes são os pais quando a criança bate à porta e atendem com generosidade e disposição. Felizes são os pais que chegam a rir da visita inesperada. Felizes são os pais que têm humor e não são incomodados pela vida. Felizes são os pais capazes de transas mais longas do que os apaixonados, em capítulos e com intervalos para comentários. Felizes são os pais que acumulam tesão e não deixam nenhuma região da pele sem a cortesia do beijo. Felizes são os pais que pintam a nudez com quatro mãos. Felizes são os pais que colocam a tevê alta para despistar e abafam os gemidos.


Felizes são os pais que descobrem os pontos de maior prazer pela mímica. Felizes são os pais que tapam a boca um do outro como um ladrão, para que a alegria não fuja do corpo. Felizes são os pais que estremecem a cama e as paredes em pequenos abalos sísmicos. Felizes são os pais obrigados a fingir os olhos fechados para liberar a casa. Felizes são os pais com segredos de toques e carícias, sinais e acenos clandestinos, que apenas os dois entendem.


Felizes são os pais que afastam os medos, pesadelos e fantasmas de seus pequenos com histórias da infância. Felizes são os pais que não desperdiçam a sensualidade ao mudar de assunto e reservam confidências selvagens para a concha dos ouvidos. Felizes são os pais com corredores compridos para ganhar tempo de se recompor. Felizes são os pais que dormem nus e se deliciam com o esbarrão no escuro. Felizes são os pais que acampam em sua própria cama, com lençóis levantados.


Felizes são os pais que arrumam as desculpas estranhas para explicar aos filhos o que estão fazendo. Felizes são os pais que vigiam sua felicidade e se previnem de gentilezas. Felizes são os pais sem pudor de lamber, chupar, morder, arranhar, provocar a carne para que cresça nas palavras. Felizes são os pais que não diminuíram suas fantasias pelas responsabilidades assumidas.


Felizes são os pais que não assassinaram o amor pelo hábito de acordar junto, que reabilitaram o amor pelo hábito de esperar para dormir junto.


Felizes são os pais.

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