Pintura de Marc Chagall
Fabrício Carpinejar

Felizes são os pais. Insones, madrugadores, boêmios do leite quente dos filhos. Felizes são os pais, que não amam por amar, amam com violência e vontade vencendo o cansaço, o sono e as dificuldades de estarem sozinhos. Felizes são os pais, sempre interrompidos pelos filhos pequenos bem na hora que a preliminar aqueceu. Felizes são os pais, que insistem em recomeçar quando a maioria das pessoas dormiria e desistiria.
Felizes são os pais quando a criança bate à porta e atendem com generosidade e disposição. Felizes são os pais que chegam a rir da visita inesperada. Felizes são os pais que têm humor e não são incomodados pela vida. Felizes são os pais capazes de transas mais longas do que os apaixonados, em capítulos e com intervalos para comentários. Felizes são os pais que acumulam tesão e não deixam nenhuma região da pele sem a cortesia do beijo. Felizes são os pais que pintam a nudez com quatro mãos. Felizes são os pais que colocam a tevê alta para despistar e abafam os gemidos.
Felizes são os pais que descobrem os pontos de maior prazer pela mímica. Felizes são os pais que tapam a boca um do outro como um ladrão, para que a alegria não fuja do corpo. Felizes são os pais que estremecem a cama e as paredes em pequenos abalos sísmicos. Felizes são os pais obrigados a fingir os olhos fechados para liberar a casa. Felizes são os pais com segredos de toques e carícias, sinais e acenos clandestinos, que apenas os dois entendem.
Felizes são os pais que afastam os medos, pesadelos e fantasmas de seus pequenos com histórias da infância. Felizes são os pais que não desperdiçam a sensualidade ao mudar de assunto e reservam confidências selvagens para a concha dos ouvidos. Felizes são os pais com corredores compridos para ganhar tempo de se recompor. Felizes são os pais que dormem nus e se deliciam com o esbarrão no escuro. Felizes são os pais que acampam em sua própria cama, com lençóis levantados.
Felizes são os pais que arrumam as desculpas estranhas para explicar aos filhos o que estão fazendo. Felizes são os pais que vigiam sua felicidade e se previnem de gentilezas. Felizes são os pais sem pudor de lamber, chupar, morder, arranhar, provocar a carne para que cresça nas palavras. Felizes são os pais que não diminuíram suas fantasias pelas responsabilidades assumidas.
Felizes são os pais que não assassinaram o amor pelo hábito de acordar junto, que reabilitaram o amor pelo hábito de esperar para dormir junto.
Felizes são os pais.
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