quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

9/9/2005 03:06:56 PM

AMOR NÃO É SOFRIMENTO

Pintura de Diego Rivera


Fabrício Carpinejar





Sofia relata sua dificuldade em amarrar o amor. Teve duas confusões. Um namoro de cinco meses e outro quase do mesmo período, salteado. No primeiro, insistiu mesmo ciente de que ele não "amava do mesmo modo", que ele encarava como uma tentativa. Por diversas vezes, Sofia serviu como confidente e amiga. Na segunda relação, a atração pesou mais alto. Só que ele não oficializava o namoro. Não apresentava Sofia para a família (ambos moram com os pais). Ficou como uma história clandestina, ainda que não tivesse nada para esconder. É evidente que brigaram. Ficam juntos ainda por acaso, ao se encontrarem em bares ou shows, pela comodidade das circunstâncias. O que fazer? Será que podem ficar juntos?


Na história inicial, não havia jeito de desarmar. Se atuou como confidente, já cristalizou a figura de amiga. Na carta, confessa que sabia que ele não gostava de você com a mesma intensidade que gostava dele. A transparência, portanto, pouco importa. Queria reverter a situação. Mal ou bem, exigiria dele o que estava exigindo de si. É natural cobrar igual ímpeto. Não se entra com baixa expectativa em um envolvimento. É mentira. Sempre desejamos fixar uma lembrança. Pode-se até dizer que é um caso, que não deseja ficar presa, que tem outras preocupações, mas ninguém perde tempo com nuvens. Na verdade, insistiu com o que não existia. Pagou duas entradas para assistir o filme sozinha.


No segundo percurso, o caso é de tirar o couro do rapaz, escapelar no mínimo. Tosar como uma ovelha. Se ele não a apresentava como namorada, exibia vergonha de assumir o relacionamento. Falta de oportunidade não é desculpa. Com a proximidade de uma seriedade nos laços, a tática é pedir tempo para pensar ou dizer que é cedo. Conversa fiada. Amor precisa do medo para tomar coragem, não para engrossar a covardia. Por que então ele continuava a ficar contigo quando se encontravam casualmente? Pela facilidade. Ele ambiciona uma relação onde não sacrifica nada, não perde nada e continua do jeito como está, disponível para o mercado. Não admitiria essa posição de suplente. Não conheço paixão que não ponha tudo a perder. Quando se ama, não há limite para a negociação. Até a vida entra no balaio com preço de saldo. O amor desvaloriza o mundo para valorizar um único destinatário.


Fala de sua teimosia, que vive encontrando justificativas para a atitude dele. Vejo que é implacável consigo e tolerante com o resto, o que desgasta a própria vaidade. Comenta que liga para ele mesmo depois das mais assombrosas e esfarrapadas indelicadezas. Imagino o orgulho do cara, que não mexe uma palha para arrebatá-la e ganha o dia pronto. Ele não enfrenta o risco de perdê-la. Nunca enfrentou e não vai valorizá-la desse jeito. A esperança não é engano, como vem ocorrendo contigo, a esperança é força de vontade e depende de um sinal (que não aconteceu).


Tampouco percebo o amor como sofrimento. É uma herança moral que recebemos de que amar é sinônimo de dor e desilusão. Amar é alegria inesperada, súbita. Não se pode esquecer que o sofrimento neutraliza o erotismo, pois apaga a afirmação e a ousadia. Persiste em suas atitudes uma carga ancestral feminina de que se deve fazer o impossível por uma pessoa e, inclusive, se anular. A democracia começa dentro de casa. O que vale viver uma democracia fora do portão e aceitar um regime de totalitarismo em seu quarto?


Sofia, sua beleza é indômita. Não corra atrás de quem não acompanha sua respiração.


O "Consultório Poético - para complicar o que já estava complicado" recebe colaborações. Pode mandar cartas com suas dúvidas de relacionamento. Tentarei responder aqui ao longo da semana. E-mail: carpinejar@terra.com.br

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