quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

9/7/2005 07:40:59 PM

QUERO BRINCAR DE NOVO

Pintura de Rufino Tamayo


Fabrício Carpinejar





Mel teve duas fortes histórias de amor. Nas duas, os homens mentiram e ela se desencantou. O primeiro romance levou quatro anos, ambos já tinham inventado com antecedência os nomes dos filhos e dos cachorros. No segundo relacionamento, ela já entrou com um pé atrás até que se rendeu aos indícios e decidiu investir e recuperar os atrasados. Quando se entregou, recebeu o golpe de misericórdia e descobriu a farsa do rapaz.


Ela confessa que não tem mais vontade de brincar e arriscar. Não especifica quais foram as mentiras da dupla. Infidelidade? Suponho que sim, mas ainda é suposição. Percebi que repete a mesma fórmula de relação, não importando o sujeito. Teria que desligar a indisposição congênita e destruir a receita. Você fez com o segundo o que o primeiro não fez ou foi fazer com o primeiro o que desejava no segundo. Monta um brinquedo com os destroços do anterior, ocultando a autêntica natureza.


Os homens, ainda que tenham sido canalhas, são moldes de sua vontade ou falta de vontade. Eles não entram com o conteúdo. Mostra um perfil de caçadora, o que não consiste num estigma. Gasta todas as energias no ataque e se ressente das defesas depois de anos de convivência. Importa-se acima de tudo com a conquista e adrenalina da confirmação do namoro. O problema surge com a estabilidade. No momento de formar realidade, cria rapidamente o tribunal. Realiza uma gincana amorosa, com etapas e desafios para cada pretendente vencer. Só que eles não foram avisados dos testes e se perdem nos exercícios.


Começa e termina do mesmo jeito. Já inicia pressionando o desastre. Cria um novelo de expectativa que é difícil desembaralhar no chão. Na primeira história, incorreu no risco da vida eterna ao batizar nomes e filhos que não existiam. Para que correr tão rápido ao futuro se ainda o casal não tinha lembranças? No segundo caso, escolheu o contrato temporário e confundiu o amor com uma distração. Mas o que queria? Acredito que parecer ocupada, com medo de ficar sozinha. Um grande medo. O medo de sobrar sozinha é maior do que o amor, o que acelera a atração e a posse. O medo engana, abrevia, é um desejo prematuro, que não amadureceu. Sua tese é "melhor acompanhada do que sozinha".


Noto também que divide as relações entre passageiras e permanentes. Mas como adivinhar qual será a verdadeira? É arrogância determinar de saída quem importa. A vida nos desmente com facilidade.


Nas duas situações, o amor nunca era amor de início, e sim tentativa. Catava provas do amor, que curiosamente prova que não amava. Quando se racionaliza em excesso, se projeta com margens de segurança, o amor desaparece em nome do conforto. Provas? Palpitação pode acontecer no enfarte ou no namoro. É muito fácil se confundir. O amor é um crime sem corpos. A gente nunca tem certeza do lugar onde foram enterrados. Não há como incriminar, porque os sentidos são mais fortes do que os fatos. Os sentidos são os fatos.


Talvez ainda não tenha encontrado sua verdade, o que faz com que as mentiras que enfrentou sejam filhas de outras verdades ou verdades de outras mentiras. Fui claro?


Não perderá a cabeça com chocolate de coração e flores. Estou convencido de que as mulheres procuram hoje é o humor. Alguém que saiba rir de forma inteligente, seduzir com graça e que não use estampas idiotas nas camisas para dizer o que pensa.


O "Consultório Poético - para complicar o que já estava complicado" recebe colaborações. Pode mandar cartas com suas dúvidas de relacionamento. Tentarei responder aqui ao longo da semana. E-mail: carpinejar@terra.com.br

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