quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

9/3/2005 09:27:41 PM

FUI TRAÍDO, ADOTO A VINGANÇA?

Pintura de Rufino Tamayo



Fabrício Carpinejar





É impressionante como recebo cartas de homens sobre o relacionamento, o que prova o pouco espaço masculino para falar dos seus medos. Pensava que a maioria da correspondência seria feminina, mas não. Está parelha de aflições entre os sexos. Derrubado o preconceito, vamos ao próximo confidente.



Sandro vive uma situação de angústia em seu casamento. Mora há quinze anos com Mônica, é apaixonado e nunca pensou que poderia viver sem ela. Até o último mês, quando ela confessou que o traiu com o ex-namorado. Mônica afirma que errou, pediu desculpa e se arrepende amargamente da decisão. Sandro explodiu, mas está confuso. Com uma situação de infelicidade, cogitava que sairia de casa e nunca mais falaria com ela. Sua natureza pregou uma peça. O amor disputa ferrenhamente queda-de-braço com o ressentimento. Ele me questiona: se toma o caminho da vingança ou da reconciliação?



Não é uma resposta fácil, Sandro. A vingança, ou seja, você trair sua mulher com outra pessoa em represália, é uma maneira de eliminar a culpa de Mônica. Mas assumiria a culpa no lugar dela, entendeu? A vingança é um remédio para aliviar a consciência dela, mas um veneno para sua desvalia. Trata-se de uma atitude previsível. Não sabendo o que fazer, faz igual e ainda pior, com o acréscimo da premeditação (que não foi o exemplo de Mônica, me parece). Usará alguém que não tem nada a ver com o seu problema como cobaia. Envolverá o sentimento de um terceiro elemento no relacionamento. Será a melhor saída? Atestará com a ação que não existe possibilidade remota de convivência.



Já o perdão não é um artigo comum. Não posso aconselhar. É raro e depende da superação e autocontrole. Com o perdão, não assumirá a culpa. Não terminará como o vilão da história, nem como a vítima. Ao mesmo tempo, não eliminará a lembrança ruim, tentará entendê-la dentro do possível. Perdoar não é apagar, é reconhecer as limitações de cada um. Nesta hipótese, o relacionamento poderá ficar ainda mais forte e inquebrantável. Não estou pedindo que ponha uma pedra no assunto. É ela que deverá recuperar sua confiança. Não é mais contigo. Ela o perdeu, necessita ganhá-lo de volta. É ela que deverá mostrar que foi apenas um temporal passageiro. Deverá telefonar com freqüência do trabalho para dissipar a paranóia. Você cumpriu sua parte, permitindo um voto de confiança, mas não pode ficar casmurro, acabrunhado, como cão de rua. Seja receptivo. Não volte mais ao tema, mesmo que ele venha com a força de uma sinusite. Nada de mendigar consolo. Assuma o orgulho de seu passado. Deixe ela conduzir o retorno do casal à lealdade. Ela terá que reconquistá-lo. Como ensinava Nelson Rodrigues, fidelidade não é um dever, é um merecimento. Agora Mônica precisa merecer sua fidelidade.



A única rusga que me preocupa é a reedição de um namorado, o fato dela retomar uma antiga relação. Se fosse um estranho ou uma atração casual, mais fácil de processar. Antes de tomar a definição pelo perdão ou vingança, esclareça o conteúdo dos parênteses. Por que ela cismou em ressuscitar um fantasma? Qual o motivo dele estar vivo e acessível na rotina dela? Isso tem que ser perguntado. Não se pode cuidar de duas feridas. Uma de cada vez. No final, a boca somente cicatriza com a outra boca.


O "Consultório Poético - para complicar o que já estava complicado" recebe colaborações. Pode mandar cartas com suas dúvidas de relacionamento. Tentarei responder aqui ao longo da semana. E-mail: carpinejar@terra.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário