quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

9/3/2004 07:41:22 AM

3X4 ANOS


Fabrício Carpinejar








Tinha quatro anos e minha mãe acordou a infância: "vamos nos arrumar rápido!". Eu vesti uma camisa nova, com desenhos de argolas. Roupa adulta, atarefada. A mãe avisou: "será tua primeira foto 3x4". O fotógrafo tentou me fazer abrir a boca, mas não conseguiu. Estava preocupado, lembrando de ser convincente ao meu futuro. A mãe advertiu: "nunca esquecerá a fotografia, determinará todas as outras". Assustei-me em posar para o que não existia, sem repouso entre dois mundos. O cabelo ficou lambido para um lado (tempo em que se cortava em casa com uma bacia). Espichei o rosto como um pintassilgo, que se banha no seco, na areia. Eu me enquadrei fora de mim. Fui longe com a audição. Olhei fundo o pano preto e o piscar vermelho do cavalo vendado. Minhas golas eram bem maiores do que minha testa. Havia uma inocência culpada de tudo o que faltaria fazer depois da fotografia, que me tornaria real, vulnerável, vivo, insultado de traços. Meus irmãos me acompanharam, se revezando na cadeira do estúdio: Miguel (2 anos), Rodrigo (6 anos) e Carla (10 anos). Quando converso com eles hoje, vejo cada um como nessas pequenas imagens, recordações miúdas como a letra de Bíblia, pedras que não enferrujam e me abrem caminhos no musgo, aliados do que imaginei em silêncio: o Miguel, inclinado, o macacão que lembra suspensórios, escondendo a falta de dente na frente, que ficou na mesa da sala; o Rodrigo, messiânico, convicto de suas responsabilidades, ainda que um fio de cabelo tenha subido mais do que o necessário; e a Carla, a única que tem um olhar que ri, apesar das sobrancelhas pensarem diferente.

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