MÁQUINA DE COSTURA
Gravura de Paul Klee
Para Rose, amada amiga
Fabrício Carpinejar
Só o que perdi posso preservar. A máquina preta de costura da vó, soberana, imponderável, negra como um dia de luto, cruza de cadeira de balanço e charrete, os pés indo sozinhos, descalços, lavados de orvalho. Seus cabelos brancos desalinhados, uma mecha branca de mar, o primeiro pão da manhã. Os chinelos azuis ao lado como cães obedientes, dormindo a gula do piso. Não se falava com a vó quando ela falava com os panos. Ela tecia suas linhas em seu quarto de fundos dentro da sala, atenta ao som da porta e de possíveis visitas. A máquina preta da vó cumpria funções de rádio da casa. O zunido insistente das roupas remendadas, das toalhas, dos lençóis com as letras do casal. Os detalhes que poucos notavam, mas que surgiam como sua assinatura. De dia, a vó era severa segurando a coleira da máquina de costura a passear em nossos ouvidos; de noite, doce com seus figos em calda a passear em nossas bocas. Em qualquer tarde, uma oliveira estranhada de estrelas, a súplica de uma garrafa entreaberta. Quantos quilômetros ela percorreu naqueles pedais? Quantos quilômetros em cinqüenta anos?
quinta-feira, 7 de janeiro de 2010
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