quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

9/2/2004 09:57:28 AM

ABOTOADURAS

Gravura de Paul Klee


Fabrício Carpinejar


Não nasci para ser discreto. Por mais que tente não chamar atenção, passar invisível, algo acontece que faz virar as cabeças do mundo para o meu lado como uma partida de tênis. Lá estou eu entrando no elevador para uma reunião, engravatado e tal, tenho a mania de segurar a porta com as mãos, não acredito em botões, ponho meu braço como escudo e as pessoas vão entrando. Educação cumprida, na hora em que impulsiono meu corpo para dentro, percebo que o terno fica. A manga do casaco trancou na porta. Não há jeito de puxar. Todos começam a opinar, tentando encontrar algum objeto para aliviar a barra. Eu fico esticado, extremamente esticado, devo ter crescido uns dois centímetros com a musculação forçada. A compaixão inicial dos passageiros do elevador com a minha figura patética agrava-se em raiva do atraso. O riso dá espaço para palavras mais rápidas, até que um deles banca o bombeiro e abre a lata de sardinhas. Entrei em mim mais do que no elevador. É preciso muito desprendimento para não transformar a timidez em vergonha.

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