quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

9/4/2004 07:03:52 AM

Jornal O Globo, Prosa e Verso

Rio de Janeiro, 4/9/04



Meu clássico: Fabrício Carpinejar, poeta


"Meu clássico é A Paixão Segundo G.H, de Clarice Lispector. Foi o livro que me fez sair da literatura para entrar definitivamente nela. Um assombro, mais do que uma surpresa. Clarice mexe na língua como quem puxa as raízes da terra com os dentes. Sensação de aniquilamento e destruição generosa, de desejo sem mediação ou desculpa, visceral ato de exposição pública da própria fraqueza. Ela não escreve para afirmar, mas para negar o mundo, as vestes, as aparências, o senso comum. Cumpre seu pensamento pela insuficiência, pela insônia, convertendo os rascunhos nos próprios originais. Procurava as falhas da linguagem, os atos falhos. Não queria a verdade, porém a pré-história da verdade: "ficar imunda de alegria". Ela se apaga na tinta, se acende de escuro, com fúria, como um amor arrependido de dizer o que vem à cabeça mas que não tem outra vocação senão a de dizer rápido e insensato para não desobedecer a boca. Em Clarice, a linguagem é o enredo, o desafio, cavando o nome das coisas para emergir o delírio puro das coisas. É uma autora rara, que deu comunicação para a consciência. Sua prosa tem uma harmonia velada de viver e narrar a experiência até os últimos limites da palavra. Costura vocábulos com a urgência de uma roupa e mostra uma nudez muito parecida com a loucura."

Nenhum comentário:

Postar um comentário