quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

9/24/2005 11:38:35 AM

APAIXONADO PELA AMIZADE

Pintura Matisse


Fabrício Carpinejar





Não é só a traição que separa. Guilherme conta sua história. Depois de sete anos de relacionamento, sem qualquer infidelidade ou mentira, sua mulher fica seriamente deprimida e é recomendada a fazer uma viagem para espairecer. Ele banca e dá ânimo para que ela visite velhos amigos e familiares. Afinal, apenas se separaram em função do tratamento médico. Ele é extrovertido e alegre, não há dúvida que a ama e tenta entender a tristeza dela, ainda que assustado com os efeitos. No primeiro mês, começam os problema. Ela liga avisando que ficaria mais do que o prometido e que procura um emprego. Guilherme hesita entre dizer para que ela volte ou deixar que ela melhore. Ele desabafa: "Por dentro queria mesmo que ela voltasse para casa e tentássemos retomar nossa vida, afinal a amo muito e sinto que a nossa história acabou precocemente. Tinha muito o que dar. Minha angústia é essa, caro amigo, entrego o jogo ou permaneço esperando que um raio me ilumine e traga minha mulher de volta?"


Por mais dolorido que seja, está fazendo o certo. O amor é egoísta e prende inclusive o que não vive mais. Superou o egoísmo pela generosidade, ainda que a felicidade dela seja sua desgraça. Agüentou o nó na garanta para entusiasmar a mudança de vida dela. Creio que você não está arriscando tudo à toa. Não há felicidade sem o perigo da destruição.


Não fale para voltar. Não se deve mendigar o que é natural. Ela está consciente do seu sacrifício. As marchas precisam de um ponto morto para ganhar velocidade. Concordo que você apostou alto, mas o que adianta estocar o que não será gasto. Bondade é contrariar a própria vontade.


Existe a crença de que casar é um jogo de pequenos favores para render grandes favores. Ao deixar ela encontrar o que gosta não faz um favor: é respeito. Não obterá somente o respeito dela, obterá a admiração, porque respeitaste ela mais do que você. Podes me perguntar: "O que farei com admiração se quero o amor?" Admiração é amor. No casamento, em primeiro lugar, devemos ser apaixonados pela amizade.


Ela não o esquecerá. Entendeu algo difícil e raro: duas pessoas não podem dividir o mesmo ar se uma delas não está respirando. Para que ficar com ela deprimida e sem norte, será que ela seria ela? Você não está salvando apenas o relacionamento, mas a vida, o temperamento e a leveza dela, que vem antes de qualquer coisa. Um casamento não pode eliminar a vocação da discordância, não pode eliminar a possibilidade drástica de ir embora, não pode anular a instabilidade pela tranqüilidade, não pode abafar o talento pela finalidade.


Casar não é indiferença, moldar e fazer olho grosso se a mulher quer seguir uma vocação que não renderá dinheiro, que diminuirá o orçamento da casa, que a deixará livre para outras amizades. Casamento não é prisão domiciliar, não é financiamento de casa, com parcelas fixas. Casamento é também mudar de opinião.


Se alguém casou com 18 anos, aos 30 anos não será igual. Sentirá a necessidade de outro mundo ou de destruir o mundo que iniciou. O marido terá que conquistar sua mulher de 30 anos assim como conquistou a de 18 anos.


Não acredito na crise dos 4, 7 ou 15 anos de casamento. Acredito na crise em todo e qualquer dia. Sem ela, não há desejo, porém conformidade e não se descobre o que o outro pensa. Ter prazer não é ter alegria. A alegria é um prazer que não termina tão fácil.


Caso sua mulher permanecesse em casa, ela o culparia para falta de chance. A frustração nunca é não conseguir, a frustração é não tentar. Ela se dispôs ser diferente a experimentar um estado flutuante de covardia.


Um dia ela pode voltar e nem descobrir o que amargou em segredo. Não precisa falar. Você não cobrou o amor porque o mereceu.


O "Consultório Poético - para complicar o que já estava complicado" recebe colaborações. Pode mandar cartas com suas dúvidas de relacionamento. Tentarei responder aqui ao longo da semana. E-mail: carpinejar@terra.com.br

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