ALTURA DAS VOZES
Gravura de Matisse
Fabrício Carpinejar
Eu escutava as conversas altas da cozinha. Não entendia porque os pais me obrigavam a dormir cedo enquanto os adultos ficavam rindo, se divertindo, conversando. Eu me sentia proibido de ter o dia por inteiro. Experimentei metade dos meus dias na infância, completando somente hoje metade de minha idade, apesar de aparentar o dobro dela. As vozes na cozinha são mais altas do que as vozes no quarto do que as vozes no corredor do que as vozes no pátio do que as vozes na sala. As vozes na cozinha têm ardor, uma absoluta falta de pudor, um descompasso, uma sinceridade desmedida. É nela que se promete e ameaça casamentos, em que os inimigos são eternos, os melhores amigos se reencontram, e descobre-se que metade da vida são as verdades que os outros levam e somente contam tarde demais. Eu sempre quis viver na altura das vozes da cozinha.
quinta-feira, 7 de janeiro de 2010
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