quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

9/14/2004 01:24:18 PM

LITERATURA NO SEMPRE ÀS TERÇAS


Fabrício Carpinejar


Ninguém escreve sobre a terça-feira. Adriana Falcão falou da segunda em O Doido da Garrafa. A terça não vira personagem. Daniel Defoe batizou de Sexta-feira o amigo de Robinson Crusoé. Ela não é uma data temida como a segunda, irritante como a quarta, amada como a sexta, dorminhoca como o sábado e churrasqueira como o domingo. É o início da semana, mas nem tão início nem tão final. Ela fica gorda de repente e passa todo o ano emagrecendo. Feriado em terça é quase uma maldição ou um convite para emendar e cabular o emprego ou a aula, e quem recebe a culpa é a segunda, que não aprendeu a descansar e se mete na conversa do calendário sem ser convidada. A terça é aventureira, estica o pescoço, ouve o vento. Acontece de mansinho, como um dia que não quer nada e já determina o humor do resto da semana. Só na terça é que saímos do final de semana para pensar no outro final de semana. A terça não tem tantas dívidas como a segunda e não fica devendo como a sexta. Os ônibus estão menos lotados, as praças mais vazias, os cinemas mais calmos, os cafés com atendimento personalizado. É o momento em que lembramos de lembrar e não esquecemos de esquecer. Terça é um rádio ligado, chama atenção mas não impede de fazer outras coisas. Não se decide nela parar de fumar, parar de beber, parar de amar. Terça não é decisão, não é apropriada para dietas, suicídios, provas, demissões, enfartes. Jogo de futebol é na quarta e no domingo. Na terça, não se briga pelo canal, os casais estão conciliados, a cama tem mais sentido do que o sofá. A terça é parto natural, amizade natural, talento natural. A terça é anotar um telefone no guardanapo, um telefone no cigarro, um telefone nas costas das mãos. Não existem classificados na terça, só anúncios eróticos ao pé das páginas e palavras de pernas cruzadas. Na terça, olha-se o pêndulo dos segundos e não dos minutos e muito menos das horas. A terça tem um futuro pela frente, cinco dias para errar, mudar de opinião, de cabelo, de música, de partido. Na terça, procuramos roupas no alto do armário, provamos o corpo mais do que o espelho. A terça se inventa e não se copia como a quarta, não consulta a agenda e os obituários. A terça é fofoqueira e conta se haverá sol ou chuva nos demais dias. A terça escolheu ser artista numa família de advogados. A terça é discreta por temperamento, não é anônima por falta de opção como a quinta. Compreende, não caça culpados, não discute a relação. Não se termina um casamento na terça, mas se começa um namoro. Terça é dia bom para um livro. Ainda melhor se é um livro falado. Como acontece agora no Sempre às Terças. Que mete bronca na literatura. Ou a boca no trombone.


SARAU COM A BOCA NO TROMBONE

FAZ ESTRÉIA NO SEMPRE ÀS TERÇAS


Primeiro convidado é João Gilberto Noll




Prontos para a reforma literária: Cláudio, Márcia e Fabrício

Foto Renata Stoduto



A literatura entra de vez na programação artística da Unisinos, atendendo solicitações dos alunos. Abrindo a temporada de setembro do projeto Sempre às terças, uma nova proposta da Coordenação Cultural faz sua estréia na terça (14/9), às 18h, no Anfiteatro Padre Werner. É o sarau Com a boca no trombone: quarteto de cordas vocais, com apresentação do poeta Fabrício Carpinejar, do músico Cláudio Levitan e da filósofa Márcia Tiburi. Com edição mensal, pretende falar de livros sem bolor, com humor, descontração e irreverência. O tema é livre, sem meias-verdades, mostrando que o riso pode ser um aliado da sensibilidade. O espetáculo expõe leituras, detalha pensamentos e teorias dos principais nomes da literatura, recita textos, dando vazão e saída às opiniões e comentários. Uma conversa com fundo musical, politicamente incorreta e poeticamente verdadeira. Em cada evento, três alunos do Sinos Acorda serão escolhidos para tocar seus trabalhos. Uma forma de inspirar os instrumentistas do projeto comunitário, além de revelar talentos e dar espaço para as jovens expressões da música.


O primeiro convidado de Com a boca no trombone será o gaúcho João Gilberto Noll, um dos melhores escritores brasileiros em atividade, quatro vezes premiado pelo Jabuti, vencedor do prêmio da Academia Brasileira de Letras 2004, categoria Ficção, com "Mínimos, múltiplos, comuns", autor de romances adaptados ao cinema como "Harmada". Noll falará de seu novo trabalho, Lorde, lançamento da W 11, que retrata a viagem de um escritor por Londes, sem saber ao certo o motivo do convite, e que gradativamente vai perdendo a identidade. Autor visceral e sinfônico, com uma escrita caudalosa e febril, impregnada de oralidade, Noll declamará trechos do seu romance.


O trio de apresentadores abarca a poesia, a filosofia e a música. São coringas palpiteiros, com experiências em diferentes áreas de conhecimento. Carpinejar é autor de As Solas do Sol (1998), Um terno de pássaros ao sul (2000), Terceira sede (2001), Biografia de uma árvore (2002), Caixa de sapatos (2003) e Cinco Marias (2004). Tem sido reconhecido com uma das novas forças da literatura brasileira. Sua obra está sendo editada em Portugal e na Itália. Vários de seus versos já foram publicados em revistas e antologias no México, Alemanha e Espanha. Nos últimos cinco anos, já ganhou o Prêmio Nacional Olavo Bilac, concedido pela Academia Brasileira de Letras, o da Associação Gaúcha de Escritores/2003, duas vezes o Açorianos de Literatura em 2001 e 2002, os prêmios Cecília Meireles e Fernando Pessoa, da União Brasileira de Escritores, o Marengo D´Oro, em Gênova (Itália) e o Destaque Literário (júri oficial) da 46ª Feira do Livro de Porto Alegre.


Márcia Tiburi é artista plástica, professora da Unisinos e escritora, doutora em Filosofia pela UFRGS. Vem chamando atenção pelas suas teorias inusitadas e sensíveis sobre a tristeza. Defende a democratização do amor e da amizade. "Democracia não é só política. Democracia é conflito e envolve as relações da vida privada", adverte. Entre suas observações, acredita que a rua, que era para ser sinônimo solar de espaço aberto, assumiu um caráter repressor de campo de concentração. Crianças sem família, mendigos e loucos, quem está fragilizado e sem valia social dorme na rua. A rua, contraditoriamente, se converteu em uma espécie de prisão. Escreveu Crítica da Razão e Mímesis no pensamento de Theodor Adorno (1995), Metamorfoses do Conceito, Adorno e a Dialética Negativa (no prelo) e Filosofia Cinza (Escritos, 2004). Co-organizou as antologias As Mulheres e a Filosofia e O corpo torturado. Publicou, junto de Ivete Keil, Diálogo sobre o Corpo (2004).


Cláudio Levitan é um dos grandes compositores e músicos gaúchos. Múltiplo, atua também como escritor, ilustrador, roteirista e diretor de espetáculos cênico-musicais, além de sua formação em arquitetura, com mestrado pela University of Newcastle-upon-Tyne (Inglaterra). Ficou conhecido pelas suas letras que rodaram o país com Tangos e Tragédias. Recebeu o Prêmio "Itaú Cultural Rumos Musicais" (2001) e quatro Açorianos como melhor disco pop (1997); melhor espetáculo de MPB (2000); melhor trilha sonora para teatro (2000) e melhor livro infantil (2001). Seu mais recente CD, Minha Longa Milonga (2002), recebeu o apoio institucional da Unesco.


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