quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

8/2/2005 09:07:14 AM

BANCO IMOBILIÁRIO

Pintura de Leon Kossoff


Fabrício Carpinejar





Sofro quando me convidam para ser padrinho de casamento. Não é que não queira. Evidente que direi 'é uma honra'. Mas não posso deixar de acreditar que sou pé-frio. Dos três casamentos que apadrinhei, todos os casais se separaram. Não sobrará nenhuma foto comigo. Sou queimado vivo com a separação. Ou alguém vai se lembrar de um casamento que terminou em baixaria na Vara de Família? Durante a partilha, nenhum dos separados faz questão de levar a amizade do padrinho para seu novo lar de solteiro.


Fico angustiado com a minha invencibilidade negativa. Parece que eu sou o culpado, portador de uma maldição silenciosa. Como ser torcedor de um time que só perde. Já pensei em procurar um analista e reconstituir minhas participações matrimoniais. Deveria ter comparecido nos ensaios, bebido menos nas festas, não pensar bobagem na hora do sim. Influenciei de algum jeito o andamento das coisas. "Até que a morte nos separe" virou somente pretexto para seguro de vida. Ninguém morreu e muitos dos casados entraram esbanjando saúde na terceira união. O recorde de um casamento em que atuei foi de cinco anos. Nem meus presentes duraram. Sei que a geladeira que dei para o primeiro casal está na casa de praia da mãe da ex-noiva. O conjunto de louça do segundo quebrou mais da metade em arremessos na parede. A cafeteira do terceiro engasgou de bronquite asmática.


Ser padrinho de casamento é perder a noção do certo e do errado, mergulhar na cegueira do otimismo. O padrinho funciona como um garçom de Deus. Serve e pronto, nada de reclamar do cliente ou pedir dez por cento para si.


O que me desconcerta é a banalização da figura do padrinho. Casamentos atuais contam com dez, quinze, vinte padrinhos e madrinhas. Constrangedor. Há mais gente no altar do que assistindo à cerimônia. Antes era um time de futebol de salão agora time de campo com reservas, técnico e preparador físico. A turma inteira, a família inteira, o bairro inteiro fazendo pressão na sacristia. O convite partia para os amigos verdadeiros e passou a ser estendido aos conhecidos e colegas. Não duvido que desconhecidos sejam escalados no último minuto para cumprir ponta no filme. Além de aumentar a possibilidade de azarados como eu, o mal-estar vem da constatação de que o padrinho tornou-se sinônimo de casa mobiliada. Quanto mais padrinhos, maior o número de itens contemplados na lista da loja. Não seria mais fácil reunir o pessoal para jogar banco imobiliário?


Talvez tenha nascido para casar. Quando me convidam para ser padrinho, a vontade é contestar: "Tem certeza disso?". E logo providenciar uma relação de outros nomes com histórico bem mais saudável.


No fundo, não posso me culpar. O difícil é chegar ao fundo. Em uma confissão, uma amiga relatou suas omissões como pecados. O padre não deixou ela concluir: "Bom bom, deixa alguma coisa para Deus fazer".

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