quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

8/1/2006 10:53:16 AM

POETA DO BRASIL

Julho de 2006, site do Itaú Cultural


por Micheliny Verunschk






Julho de 2006 marca o centenário de nascimento do poeta Mario Quintana, gaúcho de Alegrete. Dono de uma voz singular em que mesclava um humor sutil a um questionamento sobre o sentido e os absurdos da vida, o poeta, que se considerava um eterno insatisfeito, estreou em livro em 1940, com A Rua dos Cataventos, no qual se encontra uma das passagens mais melancólicas da poesia brasileira: "da vez primeira em que me assassinaram / perdi um jeito de sorrir que eu tinha".


Tradutor de Voltaire, Virginia Woolf e Marcel Proust, entre outros, rigoroso quanto à forma (mas não preso a fôrmas, como fazia questão de destacar), Quintana publicou poemas para crianças, crônicas e contos e foi traduzido para o inglês, o chinês, o russo, o italiano e o espanhol. O poeta faleceu em 1994.


Confira entrevista sobre a presença de Quintana na literatura brasileira com o poeta e professor gaúcho Fabrício Carpinejar, autor de As Solas do Sol, Um Terno de Pássaros ao Sul e Caixa de Sapatos, entre outros.


No ano em que se comemora o centenário de Mario Quintana, qual a relação do Brasil com a obra do poeta na sua opinião?

Antes do lançamento da obra completa de Quintana pela Nova Aguilar, o Brasil tinha uma imagem episódica do poeta, mais conhecido por alguns versos emblemáticos e jocosos, frases de efeito e aforismos do que pela sua unidade rigorosa e meditativa em torno da morte (o que explica a abundância de anjos e de investigação do "outro lado"). Um sentimento de morte que não é de adesão mística, mas de espanto, inconformismo e comicidade. Mario Quintana infelizmente foi reduzido a um poeta regional. Bem se vê que não era verdade.


A poesia de Quintana é, ao mesmo tempo, condensada e cheia de uma energia que, sem ser agressiva - pelo contrário, irônica e delicada - é capaz de desconstruir o leitor. Seria essa uma lição poética de Quintana? Existem outras, a seu ver?

Perfeito, mas antes disso ele se desconstruiu. A imagem que temos dele é a de um velhinho simpático, inofensivo. No fundo, é malicioso, robustamente irônico e ferozmente nostálgico. Tem o domínio do verso como Manuel Bandeira (tradutor como ele) e usou a autocrítica como ponto de partida para combater o engessamento da opinião e do senso comum e não poupar veneno e inversões. É um falso coitadismo: parece que exige compaixão, mas é um modo de pedir aproximação e intimidade para depois falar as verdades mais duras. Ele se fingia de morto para atacar bem. Tanto que sua poesia não mostra uma residência fixa, vive a caminho, num estar sendo entre hotéis, velhos sobrados e pousadas. Captou - como ninguém - o sentido do viajante em sua própria cidade. Era, ao mesmo tempo, turista e residente, o que o ajudou a incorporar uma estranheza pouco comum do significado da família.


Quintana teve uma relação especial com a literatura infantil, como em Lili Inventa o Mundo. No artigo Meu Amor por Quintana, você afirma que o poeta via o leitor como criança. O que a contemporaneidade pode extrair de uma poesia e atitude poética dessas?

Sua literatura infantil ainda é adulta e sua poesia adulta ainda é infantil. Ele tem uma pureza de princípio, que não é ingenuidade, que só uma criança é capaz de mirabolar. Organizou suas virtudes com a disciplina dos vícios e soube procurar o deslumbramento no repertório mais simples (um copo d'água, legião de sapatos, gravatas, arroios, grilos etc.). Seu vocabulário não é nada rebuscado, resgata uma coloquialidade da necessidade de ser ouvido. É um autor da cidadezinha, do diminutivo, de propósito, como a nomear com ternura o que mais dói. Sopra as feridas antes de aplicar o medicamento.


Quintana influenciou sua poesia?

Sim, influenciou a soltar minha poesia. A soltar a poesia no tema, não na forma. A ser mais arriscado. Assumi a paternidade dos meus defeitos - o de ser espontâneo e pagar o preço da comunicação. Escrever é ser legível. Incompreensão, no meu ponto de vista, não é mistério. Mistério é compreensão intuitiva, que nenhuma cultura é capaz de substituir.

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