quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

7/31/2005 07:44:37 AM

BANHEIRA VERDE

Pintura de Paul Klee


Fabrício Carpinejar







Um dos alvoroços da infância foi quando o pai decidiu que colocaria uma banheira em casa. Uma banheira para qualquer criança na época significava meia piscina. Em nossa situação, o máximo que poderíamos chegar perto de uma piscina (Desculpa, o pai não decidiu, o pai só decidia depois de muita persuasão da mãe. O pai concordou). Eu e os três irmãos atravessamos noites inteiras confabulando banhos em equipe, pulos, saltos, guerra de espuma, lavagem dos brinquedos. A agitação e excitação nos faziam gaguejar. A alegria tem sempre tanta pressa. Não havia conversa que não mencionasse a troca do chuveiro rápido pelas águas lentas. Iríamos mergulhar - imaginávamos. Cogitamos todas as cores possíveis, descartando o rosa preferido da irmã.


Enfrentávamos a reforma da residência, uma bagunça sem igual, com valas enormes abertas no pátio. Homens prorrompendo e saindo pela cozinha com as botas sujas de lama. O abacateiro, nosso caminho ao telhado, fora cortado com a compensação da banheira. O construtor trouxe vários modelos no caminhão para se experimentar. Postos no chão, o pai se agachou por dez segundos no primeiro que viu, levantou rápido e disse que desejava aquele. Na verdade brincou de morto-vivo. Lembro que observávamos o teste, loucos para pousar na nova frigideira de louça. Ao redor dela, o chuveirinho nervoso de nossas mãos. Não houve chance. Negociação rápida. Não sei se o pai estava de mau humor, definiu num aceno de cabeça a ansiedade de semanas. O construtor ainda perguntou: "E os outros? Há novas opções?" Resmungou que não. "Aquele". Percebemos que o pai não entrou na banheira, era pequena, entrou com as pernas dobradas, o que não valia muito. Entrou em posição de seqüestro. Não compreendi como ele pagaria uma banheira para se encaixotar, para se dobrar, desconfortável. A banheira verde foi instalada com sussurros de velório. Mirrada. Minúscula já para os meus oito anos. Parecia uma pia avantajada de lavanderia. A mãe reclamou ao pai: "Ficaste maluco?" Ele tossiu para ganhar autoridade: "Pensei que ficaria maior com a água".


Na semana seguinte, o pai avisou os filhos que iria se separar da mãe. Era - agora sim - sua decisão, tomada bem antes da reforma. Moraria em um hotel por enquanto. Ouvimos o ralo sugar a voz paterna.


O que me deixou mais irritado é que ele nunca usou a banheira. Nem ao menos devolveu o abacateiro.

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