quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

7/24/2005 11:40:14 AM

DE BANHO TOMADO

Pintura de Gustav Klimt

Para Érico Fumero, meu amigo.


Fabrício Carpinejar





A primeira vez que a diretora da escola chamou a mãe para conversar, em razão de minhas atitudes estranhas, foi por motivos de amor. E no jardim de infância, aos seis anos. Comecei rápido. Havia furtado as jóias da mãe, embrulhadas em cartolina amarela, e dado para a colega Ana Maria. No verso, fiz um desenho de caverna, com um casal subindo em árvores.


Aproximei-me da menina, ofereci o presente e a pedi em casamento. Não me lembro se ela aceitou, mas recebi um beijo, que estalou onde hoje tenho barba.


Ana Maria chegou em casa com uma série de colares, como quem encontra tesouros em tumba do Antigo Egito. A múmia era eu. É evidente que seus pais ficaram assustados e pediram para falar com a direção. Devolveram os objetos e a mãe fora alertada da minha precoce passionalidade. Fui vigiado e não consegui mais me aproximar de Ana Maria, que em seguida trocou de escola. Nem nos acenamos na despedida. Ela não virou seu pescoço para me localizar no alto da janela.


Desde o princípio, pulsa a obrigação de demonstrar o que sinto. Obrigação. Como se me fizesse mal deixar os pensamentos guardados. Estraga-me, me corrói, a incerteza me abóia. Remorso não se guarda em bolso, não se pede troco. Não sofro de preguiça para brigar comigo. O sossego simples depende de dizer o que ainda não pensei. Pensar duas vezes é sofrimento. Até porque o pensamento odeia se repetir. Meu desejo sempre muda algum trecho do pensamento na hora de copiá-lo. O desejo copia errado. Pode parecer bobo, é ridículo mesmo, mas não queria ser astronauta, aviador, médico, advogado, contador. Queria apenas amar alguém e dar presentes. Minha alegria não dependia de teste vocacional, de exame psicológico, das perguntas sobre cores e desenhos.


Soube bem: queria amar, assim como quem lava os cabelos de uma mulher. A mulher deitada na banheira e minhas mãos encaracolando espuma, friccionando a pele com a ponta dos dedos. Desamarrar um por um dos cílios. A cabeça dela para trás, os olhos fechados à espera, o poço de plumas. Podes tentar, é como cumprimentar a relva logo cedo. Antes de morar com uma mulher, deve-se lavar seus cabelos. Levar a dor de cabeça dela para longe. O beijo não escorrerá dos lábios. Subir suas costas com as costas dos braços. Apanhar os cachos de uvas pelos ramos e repousá-los na cesta. Apertar levemente a esponja das sobrancelhas para completar o rosto. Não exagerar a chuva com os relâmpagos. Não exagerar a chuva com o vento. Enquanto se vai, a luz virá baixa do outro lado. Não se descuidar sequer um momento. Depois, levantar as mechas com a devoção de ervas curativas, ervas medicinais. Correr com a ligeireza da água pelos ombros.


Para amar, basta seguir a água. Não se precisa de mais nada. Basta imitar a água.

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