quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

7/22/2006 10:10:37 PM

O QUE EU ESTAVA PROCURANDO MESMO?

Pintura de Joseph Cornell


Fabrício Carpinejar





Meu desespero não é calculado. Caso fosse, seria depressão. Um suicídio planejado com antecedência é assassinato.


Eu não sei quando vou explodir, costuma acontecer no momento em que não estou preparada. Naquele instante em que controlei a respiração e restabeleci a paz, que baixei a guarda e me vi salva de mim, dos meus colapsos e iras infernais de dizer a verdade mesmo quando ela não me fará falta e diferença ao mundo. Uma frase que entra torta, um cumprimento dissimulado, uma pergunta maliciosa e gritei bobagem e queimei os manuais de geladeira.


Nenhuma vontade de freqüentar o supermercado na sexta de noite, porque significa cozinhar no dia seguinte. Superei a fobia para não reclamar depois da geladeira vazia. A fila me irritou um pouco, mas não foi isso que me irritou completamente. Irritou-me perceber que esquecerei duas ou três coisas que sempre esqueço de comprar e que só me lembro quando guardo os mantimentos no armário. Mas não foi isso que me irritou completamente.


O que me irritou não tem nada a ver com quem disse. Não tem nada a ver com a tensão pré-menstrual. Nada tem a ver com o mercado, ou com as bolsas como bóias na esteira. Nada tem a ver. Ia tudo bem, havia assinado o cartão de crédito, deixava o balcão quando a atendente soltou o riso e perguntou: "Ah, encontrou tudo o que procurava?".


Ela atrasou a fala automática na hora de passar todos os produtos e tentou recuperar o tempo perdido. Deve ter sofrido o pânico de contrariar a orientação do gerente. Ou o receio de uma cobrança dos colegas. Falou rapidinho, como quem diz tchau. Falou rapidinho, assim como se aprende na auto-escola a dar o pisca-alerta mesmo que já tenhamos dobrado a rua. Já ouvi a frase tantas vezes e nunca me incomodei. O problema foi o atraso da pergunta, que acentou sua gratuidade.


"Encontrou tudo o que procurava?". Retornei o rosto para ela e não menti: não encontrei dois quilos a menos, não encontrei um namorado que não seja casado, capaz de responder mensagens no final de semana, não encontrei algo de novo para entreter minha mãe e não escutar que está ficando tarde para que tenha filhos, não encontrei um trabalho que me pague mais e me inspire a trabalhar menos, não encontrei um livro que não me faça dormir, não encontrei uma calça 38 que me sirva, não encontrei minha infância quando não pedia permissão para ser mulher, não encontrei minha amiga que morreu cedo no acidente de carro, não encontrei um motivo fora de mim para que justificasse o esforço de ser bonita, não encontrei uma frase inteligente em nenhum pára-choque de caminhão, não encontrei o orgasmo vaginal, não encontrei gentileza quando chorava, não encontrei um par para dançar, não encontrei um vinho que melhorou depois de abrir a rolha na noite anterior, não encontrei um segredo que não se transformou em gripe mal-curada, não encontrei uma manicure que não tire lascas quando chego atrasada, não encontrei uma tristeza que arrume a cama, não encontrei um nome para pôr como beneficiado no seguro de vida, não encontrei paciência para cachorro ou gato, paciência para flores na jardineira, não encontrei um restaurante que o garçom olhe primeiro para mim, não encontrei uma vingança pontual (minha maldade demora a elaborar respostas), não encontrei uma forma de segurar meus seios, não encontrei uma foto que não me veja assustada.


Aqui, ou na minha casa, não encontrei. Trinta e três anos sem reposição. Mas volto outro dia.


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