quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

7/21/2006 04:15:56 PM

PROCURA-SE UM BRINCO

Pintura de Matisse


Fabrício Carpinejar





Uma professora de Dois Irmãos perdeu um dos brincos há três anos. Talvez em casa, talvez na rua, talvez no trabalho. Chegou a se agachar no tapete da sala para ver se descobria um sinal luminoso. Mexeu com as mãos por dentro das fibras, a exemplo de uma nuca, à procura de um caroço benigno. Não achou. Repetiu o procedimento na mesa do seu escritório. Insistiu e não encontrou, nem com ajuda de salve-rainha. Enraizou-se nas distrações. Os pés concentrados roçam as pedras com quem desce à nascente do rio.


Extraviar a tarraxa, tudo bem, rouba-se de um outro brinco. Mas o brinco escapuliu de sua orelha de repente. Sem nenhum esbarrão e aviso. Ela notou bem mais tarde, antes de dormir, quando já tinha esquecido da última vez que o viu e tocou. Não adianta comprar outro, pois o que fazer com o que ficou?


Ainda hoje ela anda com olhar enviesado ao chão, na esperança de completar o par. Carrega o brinco solteiro na bolsa. Nunca mais tirou dali - nem pretende. Na conversa que entra, já traz a esperança de reaver o brinco. Como se fosse possível ele ressurgir em uma cidade diferente, numa casa estranha. Sua esperança transformou-se no próprio ouvido.


A professora é a encarnação de toda mulher que espera encontrar um namorado, um marido dentro do namorado, um amigo dentro do marido. Se tivesse perdido a fé, teria posto o brinco solitário numa cômoda, numa gaveta do armário, para não mais costurar seus cabelos. Esqueceria o que ele foi. Mas ela não desiste. Não se entrega. Carrega a peça junto como um santinho, um prendedor de cordão umbilical, um broche de família. Não que precise de um homem ou de um brinco, precisa de si mais um pouco.


Sei que é mais fácil dizer que não há nenhum interesse, que não se deseja relacionamentos sérios, que é o momento de viver a independência, que é cedo a firmar compromisso. Forma de diminuir a pressão e a expectativa, reduzir o sofrimento de uma futura ruptura. Só que é mentira. Ela continuará romântica como sua mãe, romântica como sua avó, romântica como sua bisavó. Não se começa uma história de amor para testar. Não se mergulha numa relação para simplesmente curtir. Qualquer encontro é decisivo, qualquer encontro que envolva linguagem e corpo já tem peso. Mesmo que seja uma bobagem, uma bebedeira, uma besteira. Mesmo que seja para se arrepender. Não dá para sair sem bater a porta. E entrar com hora certa a sair.


Cada mulher tem uma jóia solteira na bolsa e vai conferir se não acha o conjunto para concluir o rosto.


Até porque a orelha volta a fechar sem o brinco.

Nenhum comentário:

Postar um comentário