quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

7/2/2004 01:17:07 PM

POESIA É MAL-EDUCADA

NÃO PRECISA DE LICENÇA POÉTICA



Fabrício Carpinejar


Esse texto é uma cama revirada, como meus olhos antes de dormir. Não é cama lisa de hotel ou cama engomada para visita. É uma cama já usada, já batida, amarfanhada com a desobediência do corpo. Mais vingança do que capricho. Morte sem médico, sem padre, sem benção de relógio, sem migalha de galo. Cama como um poema habitado, sem margens para centralizar o mar ou o beijo. Sem margens para dizer onde começa o que foi vivido ou pensado. Uma cama furtada do descanso que há no movimento. Os cabelos ficam mais verdes com o vento. O joelho está mais escuro e úmido. As ancas foram alargadas em janela, depois em porta. Toda a forma que destruí incorporada em mim, emprestada, usada, suada. Decerto não vou achar as meias, o cinto, o joelho no escuro da luz. As roupas boiando no tecido como palavras desistidas. Decerto algo não se acordou para a poesia. Dizer tantas vezes para esquecer. Cama suja, inundada de cheiro, imunda como a vida, dobrada sem dobra, com os vincos delicados que a mão passa pelo rosto sem notar. Cama de quem nasceu apressado, acumulando espantos, e ainda não teve paciência para voltar a si mesmo.

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