quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

7/15/2004 11:54:40 AM

SEÇÃO RECOMENDO

Gazeta do Sul, caderno Ensaio!, 30 de junho de 2004, Santa Cruz do Sul (RS)


Por Fabrício Carpinejar, poeta, autor de "Cinco Marias" (Bertrand Brasil, 2004) e "Caixa de sapatos" (Companhia das Letras, 2003), entre outros


LONGE DA ÁGUA, Michel Laub, Romance, Companhia das Letras, 2004, 115 páginas


Longe da água é o terceiro livro do gaúcho Michel Laub. Só posso dizer que fiquei encantado. O autor não precisa provar transgressão, maneirismo, fazer teste de DNA ou pacto de sangue para participar com brilho da nova geração da literatura brasileira. Escreve com uma discrição que é rara, uma discrição de quem aposta na visibilidade da história e nada mais, com a leveza de quem não carrega malas e vaidade para dentro da ficção. Conta a vida, sem se prender a distúrbios do narcisismo. Uma discrição que é maioridade, maturidade, equilíbrio sonoro. Oferece a história de uma amizade entre dois adolescentes violentamente interrompida com a morte de um deles afogado durante a prática de surfe no litoral gaúcho. O amigo está junto quando o rapaz fica preso em uma rede de pesca e se sente responsável pela perda. O livro começa com um flashback: o narrador em São Paulo, casado justamente com a namorada do amigo morto, passa a recordar detalhes daquele estranho e decisivo veraneio. Não há como não se identificar com a narrativa (até porque vivi verões nesse cenário praiano e não mudaria uma vírgula do que li): a descrição qualificada e úmida, poetizando no momento certo, fazendo do adjetivo um verbo, possibilitando-me provar a hostilidade dos morangos ou enxergar as ruas de pé-de-moleque do litoral do Rio Grande do Sul.



METADE DA ARTE, Marcos Siscar, Poesia, 7 Letras/Cosac & Naif, coleção Ás de colete, 2003, 175 páginas



Eu procuro um livro de poesia para não usar relógio. Posso chegar atrasado em meus compromissos, mas nunca na linguagem. Metade da Arte, do paulista Marcos Siscar, com sua produção de 1991 a 2002, traz a ciência do acaso. São versos ambulantes que seguem fluxos aleatórios de consciência, arroubos, instantâneos. A sensação é que o autor anda com um gravador na rua, captando diálogos sem seqüência, trechos de conversas fora de seu contexto. Está sempre atento ao que ninguém enxerga, aos velhos esfarrapados na rua ou a uma "criança esquecida no colo como um pacote" no ônibus. Trata-se de um olhar incisivo, para mergulhar no rio acompanhado do medo. Há um fragmento comovente: "a dor não é somente a véspera". Livro sem consolo, de alegria difícil. Psicanálise caseira, que percebe pequenas urgências como a de um beijo antes de viajar. Livro para se percorrer devagar, tal domingo que não termina na segunda, cheio de lacunas, de silêncios, de cortes, de delicados esquecimentos. "há coisas de sobra que não se dizem/ há coisas que sobram no que se diz".

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