quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

7/13/2004 10:18:03 AM

O CORPO E SUA LOUCURA

Foto de Renata Stoduto e texto de Fabrício Carpinejar


Cartas e correspondências entre escritores e artistas atraem bem mais do que a curiosidade de biógrafos. Despertam em qualquer leitor a vontade súbita de lavar roupas sujas, de conhecer o interior da casa, de saber o que aconteceu acima do que o tempo marcou, filtrou e definiu. Cartas ainda funcionam como o acesso ilimitado a uma história informal, proibida. Uma forma de espiar pela fechadura, humanizar a figura pública, perceber a intimidade de bilhetes e desabafos a um amigo, sem o escudo da posteridade. Ler cartas dos outros é como receber uma confidência certa por engano. O escritor francês Artaud talvez tenha representado esse dilema epistolar. Aos 27 anos, ele mandou seus poemas para uma revista. Seus versos foram recusados pelo editor Jacques Rivière. Descontente, Artaud tentou explicar o que pretendia dizer. Seguiu-se uma troca pontual de correspondência até que o editor decide publicar as cartas que explicavam os versos não publicáveis. Não deixa de ser uma ironia: a defesa da poesia se tornava melhor do que a poesia.


Decididas a abrir a gaveta em vida, sem pensar no nome como vaidade, as pensadoras Márcia Tiburi (foto ao lado) e Ivete Keil estão lançando sua troca de e-mails durante nove meses. Nada de testamento, homenagens frias. Discutem o corpo em longas cartas, abordando esse "território louco" que nem sempre é obediente ao pensamento ou ao destino. Diálogo sobre o corpo (Escritos, 188 páginas) será autografado nesta terça (13/7), às 19h30, antecedido de debate, na Livraria Cultura, do Bourbon Shopping Country (Tulio de Rose, 80/ auditório no 2º piso Tel.: 30284033), em Porto Alegre. O caráter da obra é transformar um veículo efêmero em investigação psicológica. Elas não ficam falando de bolo, receitas e namorados. Colocam na roda assunto pesados e sérios que não convém ler nas refeições.


Ivete é antropóloga, com doutorado em Sorbonne (Paris). Tiburi é artista plástica, professora da Unisinos e escritora, doutora em Filosofia pela UFRGS. Vem chamando atenção pelas suas teorias inusitadas e sensíveis sobre a tristeza. Defende a democratização do amor e da amizade. "Democracia não é só política. Democracia é conflito e envolve as relações da vida privada", adverte. Entre suas observações, acredita que a rua, que era para ser sinônimo solar de espaço aberto, assumiu um caráter repressor de campo de concentração. Crianças sem família, mendigos e loucos, quem está fragilizado e sem valia social dorme na rua. A rua, contraditoriamente, se converteu em uma espécie de prisão.

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