quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

7/13/2004 10:24:26 AM

RIO GRANDE DO SUL, 10º CENTÍGRADOS


Fabrício Carpinejar


O magrão Luís Augusto Fischer, professor de Literatura da UFRGS, conhecido colaborador da Bravo!, Zero Hora, ABC Domingo e Folha de SPaulo, se diz um palpiteiro. Fala sem grandes pretensões e ambições. Conversa grandes temas como quem fila um chimarrão. Não franze o rosto ou prepara o assombro com uma voz cavernosa. Não dá muita expectativa com seu jeito calado, até que a gente percebe que suas palavras têm mais do que o sentido de ilustrar a vida, mas de oferecer um significado e fazer pensar essa vida sem sentido. Apresenta um estilo de jogar invisível de Paulo Roberto Falcão, nunca olha para a bola, mas para seus companheiros de time. Ele está lançando um novo livro de crônicas De ponta com o vento norte (Artes e Ofícios, 141 páginas) nesta quarta (14/7), às 19h, na Livraria Cultura, do Bourbon Shopping Country (Tulio de Rose, 80/ auditório no 2º piso Tel.: 30284033), em Porto Alegre. O título já delimita que é um livro que sai pronto para a entrevista. Vento norte é uma rajada quente, esquisita, que, segundo mitologia sul-riograndense, atrapalha o juízo e provoca ímpetos assassinos. Além de expor um espírito desordenador, a obra faz referência ao título do primeiro longa-metragem produzido e filmado no Rio Grande do Sul. Fischer procura o desequilíbrio e afirma que está escrevendo dentro de uma atmosfera de recolhimento e inverno, a partir de um olhar virtuosamente desfocado e fora do padrão dominante, do sul do sul do país. Realiza o equivalente a memórias de um canhoto. Seu método é a "atenção vadia", meditar o que não é objeto de análise, vadiar reflexões a partir de despropósitos. Teoriza as situações mais banais desde a entrega de volantes no trânsito até o porte atlético de Ronaldinho, comparando o craque com os sertanejos de Os sertões, de Euclides da Cunha. O escritor não toma elevador da cultura popular para a acadêmica. Sobe pelas escadas. Não sei como, porém mistura o que antes parecia incomparável. Evoca lembranças de guri, explica manhas da língua portuguesa e do porto-alegrês e analisa programas de tevê, encontrando, por exemplo, no apresentador Ratinho aquele "primo ou tio da gente" que diz as piores verdades e as mais deliciosas mentiras num almoço em família. Tudo acontece sob a ótica do espectador, do outro lado do balcão. Uma de suas taras é ponderar sobre a cultura produzida no Rio Grande do Sul e o temperamento sulino, feito de expressões peculiares e que exigem tradução simultânea como "fazer rancho", "comer negrinho", "lagartear ao sol" e se "encorujar". "Pessoalmente, estou longe de pensar em termos de determinismo total. Mas não me afasto da idéia de que a geografia é mais ou menos como horóscopo ou cor dos olhos - uma espécie de destino, que cabe administrar da melhor maneira. O inverno ilustra perfeitamente o caso: como pensar em recolhimento, um livro diante dos olhos, o corpo aquecido, um fogo amigo perfumando o cenário, a não ser abaixo de 10º centígrados? Por isso mesmo é que um vizinho nosso, o portenho Jorge Luis Borges (o melhor intelectual e escritor do Rio Grande do Sul, na minha escala pessoal e ligeiramente transfronteiriça), disse que com o frio se sentia civilizado, com direito à vida inteligente. E disse mais, numa comparação que as mulheres jamais entenderão: que o frio lhe trazia uma agradável sensação física, parecida com a de estar recém-barbeado."


De ponta com o vento norte é tomado de polêmicas e de atuais e necessários anacronismos. Autor de Contra o esquecimento e Para fazer a diferença, Fischer rumina a hipótese de que São Paulo é obcecado pelo novo, pela vanguarda e moderno, desconsiderando seu passado, enquanto os gaúchos fazem o inverso: fogem do novo para mergulhar na história. Na coletânea, testemunhos leves - e nada passageiros - que guardam ao mesmo tempo o ímpeto da corrida curta das crônicas e o fôlego para volta dos ensaios. Textos para desalojar o osso das idéias e destroncar os costumes.

Nenhum comentário:

Postar um comentário