quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

6/3/2005 08:20:02 PM

PARA NÃO MUDAR O LEITOR

Gravura de Raoul Hausmann


Fabrício Carpinejar





Fico com pena do texto eterno, permanente, que anseia atravessar gerações, que paga o preço dobrado para não ser incomodado. Desejo que meu texto tenha o direito da velhice, da morte em domicílio, do cansaço, da casa cheia, dos ruídos dos talheres. Que possa se despedir como um segredo, um dia de sol, uma lembrança imaginada. Não apareça no testamento, na modéstia, no casaco de ninguém. Que o poema seja para uma circunstância, para uma tarde pisada de amoras, para sumir de repente como uma idéia. Que seja guardado em uma boca enquanto dura a polpa. Atormenta-me quem busca a posteridade e faz tudo para "permanecer" mais do que "viver". Viver não é permanecer, viver é queimar. Ao planejar a vida, deixamos de segui-la. Quantas vezes se jurou um amor definitivo que justamente foi o mais rápido a acabar? Quantas vezes não se deu nada para uma situação, um encontro, e de repente ele avançou mais do que se esperava?


Não sou de reclamar da falta de tempo. Quanto mais ocupo o tempo, mais ele oferece espaço. Quanto mais nos prontificamos a ouvir, mais vontade temos de falar. Quanto mais acenamos, mais o gesto se alarga. Quanto mais a chama se deita, mais ela subirá depois. Cada conversa, mínima que seja, aspira à descoberta e à invenção. Na parada de ônibus ou na fila do banco. Proteger-se do convívio é se desperdiçar. Sempre pensei que um livro mudava a vida do leitor. Concluí que estava errado. Precisamos de livros que não mudem a vida do leitor, porque ele não viveu em vão, não viveu um engano. É arrogância pensar que o leitor tem que mudar. É arrogância dizer que uma mulher casada ou um homem casado devem se separar para ter liberdade. É arrogância dizer que um solteiro ou uma solteira estão infelizes porque não desejam casar ou criar filhos. A aparência tem preço, a satisfação tem valor. O livro necessita dar motivos para que a pessoa não mude sua vida e acredite ainda mais nela.

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