quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

6/20/2006 08:18:39 PM




HOMEM CHEQUE EM BRANCO

Pintura de Juan Gris

Do Consultório Poético

Confira outras consultas no site da revista Superinteressante


Fabrício Carpinejar





"Ao iniciar um novo emprego, conheci um colega que mexeu muito comigo. Foi encantamento à primeira vista. Com o passar do tempo, nos tornamos muito próximos e em nenhum momento ele mencionou a existência de alguma namorada. Em uma viagem que fizemos por exigência de nosso trabalho, acabamos ficando juntos. Logicamente, acabei me apaixonando.


Após alguns encontros, entretanto, percebi que a ênfase maior sempre era colocada no aspecto sexual, não existiam muitas demonstrações de carinho da parte dele. Comecei a me chatear com isso. Pois bem, apesar de não ser fácil para mim, visto que me considero uma pessoa um tanto introvertida, tentei algumas vezes conversar, saber o que ele realmente pensava e sentia por mim. Expressei meu descontentamento com aquela situação. Como nada disso surtiu o efeito desejado e ele não se mostrava nem um pouco disposto ao diálogo, resolvi acabar com a brincadeira, pois, por mais que o amasse, não gostaria de ficar com alguém que apenas desejasse uma boa noite de sexo comigo (para mim, ao menos, a configuração da historia parecia ser esta). Ele reagiu dizendo que gostava de mim, que não era apenas sexo (como muitos homens dizem, aliás), mas que o fato de trabalharmos juntos atrapalhava muito o nosso romance.Nunca mais ficamos juntos desde então, pois não houve nenhum movimento da parte dele em busca de um resgate. Um vez, tomando um café em um bar perto do trabalho, consegui retomar o assunto, pois tudo ainda estava muito mal resolvido para mim: ele repetiu tudo o que dissera na ocasião anterior. Ainda assim, não retomamos o contato. Mas, Fabrício, o que me intriga e me incomoda MUITO é que até hoje ele me olha diferente, me trata com carinho, repara nas roupas que estou vestindo, tem crises de ciúmes quando desconfia que estou saindo com algum outro homem e, de uns tempos pra cá, tem feito muitas insinuações e comentários (sempre em tom de brincadeira, convenientemente) que interpreto como sendo um convite a um novo envolvimento. Mas nunca sai disso. Jamais recebo um chamado concreto para conversar, um convite para jantar, ir ao cinema, seja lá o que for. Fabrício, por que será que ele age assim? Para mim, parece evidente que ele não quer nenhum compromisso comigo. Mas por que me provoca, afinal? Eu suponho que ele saiba que ainda tenho sentimentos por ele (não arriscaria certezas, pois sou boa em esconder o que sinto). Então, por que estimular algo em mim que para ele não haverá reciprocidade? Não acredito que um homem de trinta e poucos anos tenha medo de se envolver... Será simplesmente maldade? Neurose? Sei que o ideal seria confrontá-lo com as minhas perguntas, mas sinto que é quase certo que as respostas não viriam. O que pensar disso tudo? Pior: o que fazer? Será que poderias me fornecer algum vislumbre da alma masculina?"



Oi, Cláudia


Ele não quer ficar contigo, mas deseja que você não fique com mais ninguém. É o egoísta sádico. Tem o domínio da situação e a faz sofrer de propósito, sempre terminando e reiniciando o jogo com insinuações. Com o artifício da brincadeira, seduz sem se comprometer. Deixa subentendido para depois pular fora. Sugere para responsabilizá-la pelo envolvimento. É o "homem cheque em branco". Põe o valor, mas não assina.


O cenário é claro: ele parece que tem vergonha de namorá-la. Mantém o elo unicamente para o sexo ou como segredo. Busca uma relação fugaz, o entretenimento, e evita o estresse da doação. Qual é o problema de trabalhar junto? Nenhum; não ficarão dando beijinhos no serviço. Para variar, ele recusa toda exposição social em sua companhia, preocupado com a aparência. Se ele a olha diferente, não poderia ser indiferente depois. A paixão não repara os lados para falar. Que a convide para ir ao cinema e jantar, que proponha bobagens e criancices na rua. Que seja infantil ao acordar e adulto para dormir.


Ele ficará esperando que retorne, porque já entregou o jogo e afirmou que o amava. É dispensável confrontá-lo com as questões. Ele teria que se desculpar, esclarecer as indelicadezas e mudar de atitude.


Eu o enterraria com o desdém - vivo mesmo, não precisa matar e sujar as mãos. A memória dele será uma cova por demais espaçosa.


Pode mandar cartas com suas dúvidas de relacionamento para carpinejar@terra.com.br

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