quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

5/8/2006 08:44:24 AM

APRENDI COM O MEU AMIGO ROGÉRIO

Pintura de Cândido Portinari


Fabrício Carpinejar





Os dois melhores jogadores de futebol da turma ficavam encarregados de escolher os times. Olhavam com severidade para cada um de nós como quem definia uma tropa de exército pela força e disposição. "Quero esse, quero esse, quero esse, quero esse." Todos colegas selecionados iam atrás de quem deu as ordens. Protegidos, coroados pelo talento e amizade. Os ruins, os pernas-de-pau, os gordos, os míopes, os vesgos, os desajeitados, os mancos, que não sabiam jogar eram os últimos a serem chamados. Sofriam horrores com a demora. Com a ausência de seu nome gritado na lista de chamada. Constrangidos, sem chance de mostrar que poderiam ajudar o time. Todos os eleitos observavam os guris sentados com comiseração. Com pena. Quase a lamentar que ainda estavam ali, teimando a falta de dom. Insistindo com o que não conseguiam.


Se no início os dois que formavam a equipe brigavam para ter os mais habilidosos passavam no final a discutir para não contar com os piores. "Não quero esse, fica contigo." O guri atravessava a linha divisória freneticamente, com a cabeça baixa e resignada, animal de carga. Indeciso com os sons e ordens, desejando que aquilo logo terminasse. "Não, pode jogar com um a mais, ele não faz diferença."


Eu assisti inúmeras vezes esse ato de crueldade psicológica e nunca mudei as regras. Nunca percebi que estava errado. Até porque eu era um dos melhores e montava o time. Não sofria para me identificar. Fazia sofrer e esquecia. Esporte não deveria ser competição na escola, mas brincadeira, vontade de ajudar aos outros a chegar ao mesmo nível. O preconceito alimentava a cegueira, a insanidade de se sobrepor aos iniciantes, a eleição pela aparência, a exclusão pelos defeitos.


Quantos guris recusados no campinho, debochados no campinho, não se sentiram em sua vida sempre por último? Ou alguém acredita que não são os pequenos atos que determinam o percurso? Quantos depois não tiraram péssimas notas? Quantos não se apagaram nas relações amorosas, ficaram arredios para a amizade, desconfiados no trabalho, com a sensação de ser sempre o último? Com a impressão de ser um estorvo, um inadequado, um desabilitado. Eles não ganhavam a confiança ou um voto da turma para jogar bem. Não tinham sequer estima pessoal para se empenhar. No primeiro passe errado, no primeiro gol perdido, teriam que suportar novamente as brincadeiras e fingir que não era importante, e desistir de participar do seu esporte favorito no dia seguinte. Desistir de conviver. Desistir de tentar.

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