quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

5/7/2006 10:20:46 AM

VERISSIMO


Sou um dos quatro autores escolhidos para substituir o período de férias de Luis Fernando Verissimo no caderno Donna, do jornal Zero Hora. É o mesmo que ser chamado para entrar em campo no lugar de Ronaldinho Gaúcho. Vaia na certa. Minha primeira crônica foi publicada neste domingo.


Jornal Zero Hora, caderno Donna, coluna de Luis Fernando Verissimo

Domingo, 07/05/2006


BOLO DE NOIVA

Pintura de Chagall


FABRÍCIO CARPINEJAR *





A noiva preparou a festa com zelo médico. Dois anos de longa negociação.


Definiu o vestido, a igreja, os adereços, a decoração, os convites, os convidados, tudo fingindo escutar o noivo. Fingir que se escuta é monarquia.


O noivo fingia que falava, o que não deixa de ser democracia. Quando ambos se juntam, resultam em monarquia democrática. Um manda e outro disfarça que é mandado. Sempre que um não diz o que pensa, o casamento corre o sério risco de ser um sucesso.


A noiva planejou as vírgulas e os apóstrofes da cerimônia, o ponto final e as reticências. Nada passava em branco de sua caneta vermelha. O trabalho na empresa virou lazer, cuidar daquele ritual tornou-se uma missão inadiável.


Ela executou minuciosamente, com o aval dos pais, o emprego de cada centavo.


A lista de presentes foi sua principal farra. Não imaginava que pudesse ter tanta quinquilharia à disposição. O que gastava sonhava ser retribuída em pacotes coloridos. Ficava meio receosa, é evidente. O que faria com uma


sopeira? Ou um descascador de batatas? (ainda se fosse um triturador de gelo!)


A parte mais complicada significava orientar onde sentariam os convidados. Quem do lado de quem. Teria que suportar os colegas de trago do noivo. Os colegas de futebol. Os colegas do bairro. Festa de casamento é o único momento em que se convive com o passado sem criticar. Mesmo que o passado fique toda festa criticando. Nem sempre funciona colocar os amigos do casal lado a lado. Pode gerar revelações surpreendentes e confidências desconcertantes. Um primo pode estar garfando o estrogonofe e lembrar:


- Brincava de médico com a noiva.


Ou uma mulher, de repente, confessar:


- Não entendo como ele está se casando, a gente se dava tão bem no carro. Ele adorava lavagem expressa.


Deveria haver uma mesa de ex-namorados. Se possível, dentro da piscina.


Todos afogados, boiando. Para não opinar no julgamento.


E o que fazer com os penetras? Eles são fundamentais e, ao mesmo tempo, não podem ser convidados. Difícil saber se eles vão comparecer. Unicamente o penetra tira a baranga para dançar, conversa com os sogros numa atenção extrema, diverte as crianças com caretas. O penetra é o recreacionista dos adultos. A chance da noite sair do normal. E a prova pentecostal de que existe como entrar em qualquer lugar sem a necessidade de pré-requisitos.


O problema do penetra é que se entrega. Não facilita sua agradável permanência. Rápido identificá-lo. Estará sempre conversando com o garçom, para garantir um bom serviço e mostrar que se relaciona bem com alguém. Eu sei por que os dois se entendem de cara, além da diferença da gravata-borboleta. O garçom nada mais é do que um penetra pago.


A noiva idealizou o vídeo, o tempo das fotos, as músicas que a banda iria tocar. Programou até os imprevistos. Já tinha na ponta da língua qualquer resposta, se é contra ou a favor à pena de morte, se é contra a favor à eutanásia, se é contra ou a favor ao aborto. Estudou muito para estar no altar, espécie de concurso de miss sem concorrentes. Varou as noites para receber a aliança e saracotear com leveza o vestido pesado como um castelo da Idade Média. Estava linda, absolutamente linda. Só não pôde controlar o ciclo menstrual, que veio de longe também para o casamento. Obrigada a sorrir com a fralda do sobrinho entre as pernas, já que o absorvente interno e o noturno não deram conta. A lua-de-mel não seria hoje.


* Jornalista e escritor, autor de "O Amor Esquece de Começar"


Durante as férias de Luis Fernando Verissimo, escritores gaúchos vão revelar seu olhar sobre as angústias masculinas contemporâneas na seção "Homem da casa", que estréia hoje

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