quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

5/4/2006 11:29:21 AM

ME DÊ COLO

Pintura de Edward Burne-Jones


Fabrício Carpinejar





Na metade do caminho, meu filho avisa que não consegue caminhar e pede que eu o carregue. Ele já tem quatro anos e dezoito quilos; é suportável levá-lo durante mais oito quadras. Educado, ele pergunta se está pesado, minto que não, que ainda está leve como seus cabelos castanhos. O vento vive fazendo penteados novos em meu menino. Antes de crescer em chuva, o vento é cabeleireiro.


Os adultos também precisam ser carregados. E como precisam! Nos relacionamentos, haverá um dos dois que não conseguirá mais andar. Por cansaço ou por desânimo, por fraqueza ou falta de esperança.


Nos corredores de casa ou do trabalho, sua mulher vai ficar pequena, com a saia plissada e as meias altas da escola e vibrará compaixão na direção de seus ombros, louca para pedir colo. Buscará a certeza de que contará com alguém durante um pequeno percurso a recobrar a força da vontade. Quer fungar o seu cheiro. Segurar-se nos botões de sua camisa como se fossem os olhos de vidro de seu antigo urso. Dobrar os joelhos, para pegar altura no balanço. Ela cresceu, tem filhos, trabalha, toca a residência, nada a impede de fartar os pés. Um lampião é pouco no quarto, há a necessidade de acender as mãos.


Depois que crescemos, não é permitido emitir sinais de fraqueza: chorar, vacilar, confundir-se. Pois logo seremos taxados de depressivos. Dez minutos de desconsolo e somos mandados ao psiquiatra. Temos que ser sempre fortes, convictos, impermeáveis. Mas sem um colo a pessoa pode recuar. Pode brigar. Pode arrepender-se de ir adiante. Pode se isolar. Pode cortar amizades. Pode desejar morrer. Pode divorciar-se de seu anjo da guarda. A criança intacta nos ouvidos não suporta a sucessão de críticas, de pressão, de decisões para avançar, sem ao menos deitar em movimento num colo paterno do marido. No colo paterno do namorado.


Os homens da mesma forma carecem de um colo. São barbudos, peludos, enormes, mas a alma não pesa pele e ossos. A alma é a falta de peso. A falta de peso é o que mais pesa. A alma é fraquinha, é raquítica, é desidratada. A alma toma soro, toma orvalho, toma a chuva das calhas. Bebe o que vai na concha da mão. Boca pequena. Boca devagar, estômago apertado de ave, estômago que cisca.


Quando o homem não consegue mais andar, serão nulas as palavras de incentivo, o otimismo dos livros, o conforto das idéias, a segurança da casa. É o momento de carregá-lo. Momento de dizer: - pode subir, eu o levo. E não se importar com a dor dos braços, a dor das pernas. Deixar que ele seja a vontade de dormir o seu corpo para recuperar a memória do dele.

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