quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

5/30/2005 09:08:01 AM

MINHA NOSSA SENHORA DOS NAVEGANTES

Gravura de Juan Gris


Fabrício Carpinejar





Quando menorzinho dava comida aos santos. Não um santo qualquer. Santa era a professora primária. Não se chegava na sala de aula da escola pública sem ter alguma lembrança para dar. Uma rosa, um bolo inglês, um sonho, uma maçã. Não era dízimo ou chantagem, mas respeito e carinho. Professora vinha a ser mais importante do que a diretora da escola. Os alunos disputavam a atenção do melhor presente. Secundária a concorrência por notas. A mesa dela ficava abarrotada de ofertas, como uma padroeira, uma Nossa Senhora dos Navegantes. Faltavam apenas as velas. Receber um beijo de batom na bochecha significa alta distinção, como um "Ótimo" e estrelinhas de sua caneta vermelha. As mães preparavam a merenda e separavam um adereço especial para a 'tia'. Podia ser cartão ou um poema. Se o olhar materno esquecia, eu cobrava. Se não tinha nada para dar, esticava o caminho pelo bairro para furtar flores. Meus primeiros delitos sempre foram por amor. Um dia consegui o feito de roubar a rosa da própria casa da professora para entregar a ela. Eu iria saber onde morava? Ela me perguntou a origem da beleza e eu ri, para despistar a verdade. Depois disso, entrei no ramo dos alimentos, para não correr riscos. Afinal, os jardins de Petrópolis não teriam brotos para me sustentar até o final do ano. Doce e generosa estação, onde os professores acabavam como confidentes.


Não sei se esses presentes espontâneos ainda persistem, acredito que não. É uma pena e uma afronta perceber o ensino do professor como uma obrigação. Não está ali porque não encontrou um outro lugar ou como estágio de início de carreira. Comparece como escolha e vocação. Forma o caráter público do estudante (coisa que é bem mais complicada do que ensinar). Já não é valorizado pelo salário, que seja pela confiança pontual e dedicada de seus alunos.


A manhã ruiva de minha infância foi dividida em cinco períodos. O sino do recreio não superava o "bom-dia" da professora. Abrir a térmica com a fumaça cheirosa de leite não superava a inclinação dela em minha classe para me ajudar a resolver os problemas e corrigir as lições. A mordida da fruta ou do sanduíche não superava a fome pelo dia seguinte que recebia dela. Nem o jogo de futebol me fazia tão pleno.


Na mesa da professora, a lista de chamada, o apagador e a minha mão segurando firme a sua, que nunca quebrará como o giz no quadro-negro.

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