quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

5/27/2004 11:16:39 AM

EM ALGUM LUGAR LONGE DE MIM

Gravura de Rufino Tamayo


Fabrício Carpinejar





Estive em Santa Cruz do Sul, em palestra emocionada na quarta (26/5), no auditório da Unisc. O professor Norberto, que havia me apresentado para o público, fumava mais do que a própria noite. Nervoso e feliz, sem saber a ordem. No esquadro da barba ruiva, os olhos azuis de quem aprendeu a comprimir roupas de todo seu armário em uma mala. A arte de dormir fora da linguagem para depois voltar com saudade. Roberta piscava pouco. Piscava com a boca mais do que com as pálpebras. Quando preocupada, tocava levemente seu brinco ou raspava os dedos em movimentos circulares. Ao rir, seu olhar se libertava do pescoço, o violino descendo os ombros e virando ao lado para procurar cumplicidade. Renato discreto, calmo, a cabeça para frente, arremessando o peso para além dele, como quem chega no último trecho de uma corrida. Sua gula era por ouvir mais do que ver. Rosana, da Filosofia, escuta jazz na hora de corrigir as provas e rock para atividades domésticas. Seu celular toca tanto mensagens quanto seu batimento cardíaco. Ela faz alpinismo e me disse que segura as pedras com a respiração. Há músculos no sopro. Muitas vezes seguramos uma vida inteira, um amor, apenas com a corda do pulmão. Ângela olhava suas mãos como quem se reconhece em aquarelas, entre o líquido e o carvão, a chama e a linha. Eu jantava longe de mim, perto deles, querendo ser bem devagar os outros que não fui. Educando-me para encorpar o vinho com a leveza.

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