quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

5/1/2006 04:17:08 PM

MINHA AMIGA CHORANDO

Gravura de Edward Burne-Jones

Para Márcia Tiburi


Fabrício Carpinejar





Ela não ficava inchada ao chorar. Não escorria a boca, o nariz. Não tinha o rosto vermelho, os traços submersos em aquarela, a maquiagem borrada, os cílios colados, as mechas desalinhadas. Aquele quadro de gripe que a maioria das mulheres enfrenta depois do desespero. Aquele mal-estar que mistura soluço, suspiro e grito. Aquela tensão, que explode desprovida de seqüência e ordem, a espernear o pescoço numa almofada, a bater as portas com fúria e desdenhar das janelas. Aquele constrangimento de tecido e de linhas, que pede isolamento e um copo de água com açúcar. Aquela violência que cospe o ar com repulsa.


Ele ficava ainda mais bonita quando chorava. Não envelhecia chorando. Não enrugava. Não aumentava os vincos e as covas do queixo. Tanto que eu não encontrava vontade de confortar, de amparar sua cabeça nos ombros e dizer que vai passar. A vontade era fazer com que chorasse mais. O choro não me proibia. Não virava de lado como a respeitá-la trocando de roupa. Não alcançava um lenço ou um papel para que desistisse.


Choro ritmado, que bebia devagar o próprio sopro. Quase como um rito, uma música de câmara. O verde dos olhos enfim aparecia entre o mel da íris, um vitral em que mais interessa o desenho e não o outro lado. As lágrimas obedeciam o cercado e saíam em fila indiana, ovelhas seguindo o assobio. Não se atropelavam, não mostravam pressa. Os lábios tremiam levemente, suaves, entremostrando os dentes de cima. Não é certo se pediam beijo ou paz. Os cabelos desciam para trás das orelhas, casa que prende as cortinas quando é limpa. Havia até uma alegria, uma delicadeza, um costume tranqüilo de sentar na varanda. Havia uma serenidade caprichosa, um silêncio rendado que cobria a mesa do rosto, com um jarro de flores ao centro.


Ela chorava e falava sem perder a inteireza das palavras, sem comer alguma sílaba pela ânsia. Não parecia estar ocupada chorando. Prosseguia o que estava cumprindo antes. Não parava para chorar, capaz de cair a chuva e não se refugiar, capaz de vir o vento e não se proteger.


Sua beleza não olhava os degraus para descer. Não segurava no corrimão. Sua beleza deitava no espelho como um lençol novo.

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