quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

4/28/2005 09:56:05 PM

COMO NO CÉU

Gravura de Gustav Klimt


Fabrício Carpinejar





Nossas viagens giravam

em torno do que esquecemos de pôr na mala.

Com o casamento, deixamos algo para trás.

Temos uma vida inteira a definir

quem de nós ficou em casa?


* * *


Sacrifiquei uma amizade

por uma palavra a mais,

um amor por uma palavra a menos,

uma leitura pela falta de insistência.

Modifico a infância ao avançar.

Esqueço a data ao preencher o cheque.

Uso chapéus dentro de casa.

Deveria ser preso por atravessar

uma praça ensolarada e não sentar.

Atravessar uma vida sem atalhar pela praça.


Eu somente não sou cínico com as crianças.

Mesmo com elas, tenho que me controlar.



* * *


Eu me assustava

quando partias sem nada dizer.

Mais assustado ficava

quando regressavas sem nada dizer.


O relógio na cozinha, pupila de faca.


Botavas o prato e a comida na mesa,

em obrigação ofendida.

Comia tuas confissões

com os talheres trocados.

Só os ouvidos se mexiam.


Nossos espelhos foram

se consumindo

no forro das portas.


(Revista Cronópios, 28/4/05 - poemas da minha nova obra, que está sendo lançada pela Bertrand Brasil, como um dos destaques do selo para Bienal do Livro do Rio de Janeiro)

Nenhum comentário:

Postar um comentário