COMO NO CÉU
Gravura de Gustav Klimt
Fabrício Carpinejar
Nossas viagens giravam
em torno do que esquecemos de pôr na mala.
Com o casamento, deixamos algo para trás.
Temos uma vida inteira a definir
quem de nós ficou em casa?
* * *
Sacrifiquei uma amizade
por uma palavra a mais,
um amor por uma palavra a menos,
uma leitura pela falta de insistência.
Modifico a infância ao avançar.
Esqueço a data ao preencher o cheque.
Uso chapéus dentro de casa.
Deveria ser preso por atravessar
uma praça ensolarada e não sentar.
Atravessar uma vida sem atalhar pela praça.
Eu somente não sou cínico com as crianças.
Mesmo com elas, tenho que me controlar.
* * *
Eu me assustava
quando partias sem nada dizer.
Mais assustado ficava
quando regressavas sem nada dizer.
O relógio na cozinha, pupila de faca.
Botavas o prato e a comida na mesa,
em obrigação ofendida.
Comia tuas confissões
com os talheres trocados.
Só os ouvidos se mexiam.
Nossos espelhos foram
se consumindo
no forro das portas.
(Revista Cronópios, 28/4/05 - poemas da minha nova obra, que está sendo lançada pela Bertrand Brasil, como um dos destaques do selo para Bienal do Livro do Rio de Janeiro)
quinta-feira, 7 de janeiro de 2010
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