RODRIGO E MIGUEL
Pintura de Peter Blake
Fabrício Carpinejar
Não sou eu a me levantar da cama. Na infância, meus dois irmãos dormiam no mesmo quarto. Conversas intermináveis antes de apagar a luz. Uma de nossas competições favoritas era acertar as cores das camisas dos times de futebol. A brincadeira acabava quando alguém dormia em plena resposta.
Sempre que me acordo, sou três irmãos. Eles me ajudavam a vencer a sonolência, o que significa que também sofria com maquiagem noturnas. Já fui desperto com xampu na cabeça, pasta de dente na cara, minâncora no sovaco. Não precisei de internato, meu quarto tinha a algazarra de um refeitório. No momento do castigo, todos assumiam a culpa e desbaratávamos os pais, que teriam que colocar o trio no ferrolho ou ninguém. De modo nenhum, havia delação. O amor não suportava covardia.
Ter irmãos é nunca se enxergar isolado. Minha solidão é impossível. Guardo a sensação perpétua da companhia, da escolta secreta, da proteção silenciosa. Eu não consigo chorar desde esse tempo - mal começava a resmungar e os irmãos ameaçavam derrubar o beliche em mim, pulando no colchão de cima.
As confissões foram divididas. Quando um precisava sair de noite, ficávamos montando guarda militar para enganar os pais. É evidente que não pregávamos os olhos de preocupação até o irmão pródigo retornar. De manhã, na aula, a cabeça escorregava na classe de desânimo.
Mesmo adulto e casado, mesmo com filhos, escuto as vozes de meus irmãos pela casa. Não, eles não estão mortos, a maioria dos fantasmas permanece vivo, acontecendo simultaneamente em diferentes idades.
Suas vozes infantis não deixam meu corredor no escuro. Ao acordar, acendo o interruptor e percebo que não canso de depender deles. Daquela infância simples, em que não se pedia licença para falar, em que se confiava naturalmente. Não se jantava sozinho. A televisão parava em um único canal. A geladeira tinha creme de abacate. O pátio estava cheio de laranjas no chão para chutar
Irmãos superam os amigos imaginários. Nenhuma invenção vai reproduzir igual fidelidade e apego. Não importam a distância, a falta de contato, diferenças de opinião depois. Não preciso me ver pequeno para me reencontrar. Eles conhecem o que fui desde o começo, e podem me lembrar do que ainda posso ser.
quinta-feira, 7 de janeiro de 2010
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