quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

3/9/2005 10:59:21 AM

UM COPO DE ÁGUA COM AÇÚCAR

Gravura de Frank Auerbach

Para Rose


Fabrício Carpinejar





O que eu faço quando vejo alguém dependendo de minha ajuda, inseguro? Não dou chance para as dúvidas, falo sem parar. Fico destravado, desengonçado, guarda-chuva de vareta quebrada. Sanha incontrolável, falo sem pensar. Falo sem lógica. Falo para me antecipar. Faço perguntas desnecessárias, absurdas. Quando estou nervoso, falo como uma caturrita. Demoro mais tempo para achar meu tempo. É como se a pessoa em dificuldades estivesse tonta. Puxo conversa para evitar que ela desmaie e perca a consciência. A palavra é um copo com açúcar. Acalma, revigora, levanta.


Não conheço amor distraído, apenas amor preocupado. Escrevo para proteger alguém em mim. Sempre foi assim desde pequeno. Vivia preocupado em achar a pessoa certa mais do que a expressão certa. Mas não há pessoa errada, o que existe é pouca insistência. A bondade tem que ser um hábito esquecido: usar e esquecer para não emitir boleto de cobrança. Bondade não é favor, é recompensa. Creio que tenho uma inclinação para a tristeza; não admito estar feliz sozinho. Minha felicidade cria cúmplices, procura testemunhas. Se chego em casa de noite, esfuziante, entusiasmado e percebo que minha mulher está abatida, já esqueço de mim para cuidar dela. Ela faria o mesmo. Enquanto um prepara a janta, o outro faz a mesa. Enquanto um cozinha, o outro lava. No amor, a felicidade não aceita ser solteira. Ou ambos estão alegres ou ambos estão se protegendo para a tempestade passar. Ou somos cachorros fugindo dos carros ou somos carros buzinando para os cachorros. Um momento para ser advertido para em seguida advertir. A verdade acima de tudo, mas verdade sussurrada, com jeito de segredo, com jeito de revelar sem agredir. Não me envergonho de chorar, não me envergonho de minhas escolhas, não me envergonho de minhas dependências, não me envergonho de minha gargalhada, não me envergonho de usar diminutivos a dois, não me envergonho de ser ridículo, não me envergonho de cumprimentar gritando. Em minha vida, pouco fui solteiro. Tomo café puro e bate a saudade da colherinha. Sofro da preguiça do dicionário; não meço termos, mergulho na adivinhação. A arrogância é ter orgulho da burrice. Orgulho-me do que não vi. Não durmo do lado da parede. Não pretendo ser enterrado perto da parede. Que eu viva e morra no centro, no turbilhão, na inquietação. Até a fragilidade dos olhos tem cílios.

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