quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

3/10/2005 10:59:19 AM

A FALTA DE OPÇÃO

Gravura de Frank Auerbach


Fabrício Carpinejar





Não se tem como adivinhar o que vem depois, não se tem como suportar o que veio antes, o que faz concluir que não se tem opção. A infelicidade de um casamento de 15 anos, de um namoro de cinco, de um emprego de dez. E não se muda nada, apesar da prisão e do desconforto, porque se botou na cabeça: não tenho opção. E se segue adiante com uma vaga expectativa de melhorar o ânimo, ou ao menos o cardápio do almoço. Com a vaga emoção de alterar o trajeto. Com a vaga noção de desentendimento. E se dorme e não se podia mudar pois os filhos estavam pequenos e se dorme e não se podia mudar pois os filhos estavam crescidos e se dorme e não se podia mudar pois os filhos estavam casando e se dorme e se esquece por oito horas, mas não é abafado o desânimo: a ferroada volta a arder e se cogita ter vivido à toa. Volta a suspeita de desperdiçar mais um dia da única eternidade que se conhece. E o corpo lembra um livro emprestado que se precisa devolver à biblioteca. Um livro que não foi lido, nem folheado pela curiosidade. E a multa aumenta e a vontade de ler diminui. E se botou na cabeça em alguma data indefinida: não tenho opção; em alguma latitude indefinida: não tenho opção; em algum aceno da cabeça, quando não suportava o silêncio tremer como uma boca chorando, quando não suportava os segredos escurecerem de mofo, quando não suportava a madeira nobre do armário perder as lascas da quina: não tenho opção. E se permanece num casamento triste, cego, morno, como se a luz fosse forte o suficiente para derrubar o telhado. A luz não fala alto. E se queria mais e se quer mais, e a resignação faz varrer as gavetas para queimar as pistas da inexistência. Não se acredita em mais ninguém, deixando a mão correr sem margens. Não se acredita em si, concordando para terminar logo o assunto. E se cala para não provocar briga e se desculpa por não conseguir vencer a timidez da falta de opção.


Quem diz que não tem opção ainda tem opção. Mesmo que seja para mudar de idéia, mesmo que seja para gostar novamente do que deixou para trás. Todos temos opção, sorrir ou ficar sério, brigar ou fazer as pazes, fugir ou pedir o divórcio, viajar ou pedalar o mar. Ao atravessar a rua, tenho a opção de olhar para a esquerda ou para a direita, para a amizade ou para sedução. Há opção na falta de opção. Há opção até depois da morte. Não admito essa covardia de escrever a própria vida sem assinar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário