quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

3/23/2005 01:30:58 PM

CO-PILOTO DO TELEFONE

Gravura de Paul Klee


Fabrício Carpinejar





Sofro de uma mania imperdoável. Peço para a minha mulher telefonar e passo a gritar atrás o que deve dizer. Sou um chato. Não deixo ela falar, cheio de idéias e detalhes repentinos. É desgastante passar a informação, raciocinar e ouvir o que acontece ao telefone e suportar um outro perto de si, despejando dicas, incomodando e corrigindo. Não é possível assistir dois canais ao mesmo tempo. A vontade é desabafar: "quer falar? então toma!" E meter o gancho goela abaixo do marmanjo. Há momentos que só Tom e Jerry explicam nossa vida. Qualquer mulher fica louca. O homem tem o insólito hábito de pedir um favor, meter-se drasticamente no meio da conversa, inspecionar o serviço e apontar somente observações negativas. Deixa de ser um favor para virar uma ordem, deixa de ser um carinho para virar uma disputa, deixa de ser uma gentileza para virar agressão. Os exemplos são simples. Ele não deseja ligar para sua mãe (conhece toda a incomodação que virá pela frente), mas precisa passar um recado urgente. A mulher decide generosamente fazer a ligação. Tem que agüentar o relato minucioso do dia da sogra e mais o marido soprando novas fofocas, detalhes e perguntas ao seu lado. Não há maior tragédia do que ser uma linha cruzada entre o marido e a sogra. É o mesmo que ser convidada para o próprio velório e ainda agradecer. Ou pode ser a encomenda de uma tele-entrega. Lá vai o marido listar o jeito que deseja a comida durante a ligação, com pedidos inúteis e caprichos intoleráveis. Nem sabe o que o atendente está dizendo e responde de forma paralela, com a naturalidade de um viva-voz. O cara não cala a boca: matraqueando letras para acelerar sua narração de turfe. É um cavalo nomeando cavalos. Assim que ela disca, o homem abandona a preguiça que não o fez telefonar, pula da cama, ganha uma disposição e eloqüência em instantes, entra em surto e se dispõe a comentar sem parar o assunto. Segue sua mulher pela casa, como uma sombra pegajosa e arrogante. Corre em círculos, uma criança abrindo a porta com os dentes. "Não esquece de pedir", sugere a cada dez segundos, para depois cobrar: "não pediste, né?" Demonstra um talento inato para provocar. Emerge o espírito brigão que o mantinha elétrico na infância. Se o homem reclama com insistência da co-piloto no carro ou tece piadas sobre a mulher no volante, não se dá conta que ele é o pior co-piloto que existe ao telefone.

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