quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

3/24/2005 06:19:10 PM

ANSIEDADE

Gravura de Paul Klee


Fabrício Carpinejar






Sou ansioso, tremendamente ansioso. Quando não há nada para acontecer, fico ainda mais ansioso. Aguardo algo só para dizer: eu sabia, eu sabia, mesmo não sabendo patavinas. Odeio guardar segredo, porque sei que vou ter que esperar ao lado de minha ansiedade. E ela é bocuda. Sou ansioso. Se faço a comida, posso passar mal até minha mulher pronunciar seu veredito. Ao preparar o jantar, evito comer e participar do júri. E escolher presentes? Tenho pavor da possibilidade de comprar o número errado, a cor errada. Sou ansioso, desde criança me sentava em uma janela para me aguardar adulto. Sou ansioso, daqueles que vão roer as unhas, mexer na barba, desabotoar os cabelos. Sou ansioso, minha sensibilidade parece que está de plantão. Não adianta me recomendar florais, chás, tranqüilizantes. Não farão efeito. O sangue não é água, não é fácil domá-lo. O sangue segue por ruas escuras. Quanto mais escuro, mais ele corre. Sou ansioso, o livro é minha bengala até o sono. Sou ansioso, canso de fazer careta ao chorar. Quando a esposa demora, quando o filhos tardam, enlouqueço as venezianas. Sou ansioso, bate uma vontade de escrever cartas longas, imensas, para que alguém sinta saudades de mim. Sou ansioso, de madrugada, arde um comichão para passar trote, ligar para desconhecidos, puxar conversa, acordar a família. Minha respiração está acelerada ainda que em repouso. É como se estivesse sempre atrás do que fazer, do que me ocupar, do que amar. Desejava entrar em dieta: os pratos são muito mais coloridos. Quem come em excesso não é pintor. Desejo errar a ortografia, para me corrigir em seguida. Perdi emprego pela ansiedade, perdi amores pela ansiedade, perdi namoradas pela ansiedade. Falo a verdade antes dela ser verdade e ninguém acredita. Sou ansioso e deveria me tratar, mas é tarde, mas é cedo, tarde e cedo resultam na mesma coisa. Eu atropelo, eu invado, eu inundo. Sou ansioso, não posso me acordar sem os chinelos brancos debaixo da cama, sem o café barulhando, sem dividir os cadernos dos jornais com a minha mulher, sem encontrar pentes e presilhas na pia, sem cartas na caixinha, sem livros novos para levar ao trabalho, sem telefonar para os pais, sem derrubar os controles da tevê, sem estender as roupas, sem brincar com Vicente e Mariana. Sou ansioso. Para muitos, ansiedade é imaturidade, despreparo, inexperiência. Coisa de jovem. Eu cresci e continuo ansioso. Não foi uma fase, uma adolescência, uma doença. Sou ansioso porque espero a vida com urgência. Sofro e me alegro mais do que a conta, mais do que o permitido, mais do que o suportável. Serei o teu melhor amigo, o teu melhor inimigo, serei devoto de cada palavra que ouvir, serei um fiel do improvável, um leitor de relâmpagos. Vou me alinhar com a chuva. Cair o andar para seu lado. Pisar no pé da chuva enquanto danço. Serei ansioso até o fim. Mas nunca, nunca serei indiferente.

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