quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

3/19/2006 10:23:38 AM

RESSACA DA VISIBILIDADE

Pintura de Paula Modersohn-Becker


Fabrício Carpinejar





Não sei se vocês vivem o mesmo. Eu vivo comparando vidas para definir se é minha tão estranha como penso. Não é não, é tão estranha quanto qualquer vida. Viver é acumular desconfiança que seríamos diferentes se não fossem nossas escolhas. Mas não mudaríamos a personalidade qualquer que seja a decisão. O que nos atormenta por dentro é imutável e não se rebaixa a adaptações.


Quando vou a festas, volto esvaziado. Quando vou a lançamentos, volto esvaziado. Quando viajo, volto esvaziado. Dormir em hotel e não arrumar a cama é o equivalente a nunca acordar. Perco meus segredos ao ficar exposto em demasia, conversar em demasia, dar opiniões em demasia. Vendi meus segredos para obter aceitação ou me manter atento e não há como reavê-los. Disse o que ainda nem pensei para dizer. Disse o que não concordo, e agora - azar - a frase é minha.


É o que chamo de ressaca da visibilidade, mais teimosa e dolorida do que a enxaqueca do excesso de bebida. É uma ressaca da insuficiência amorosa. Uma ressaca de que não presto, de que não sou importante. Uma ressaca que me põe de novo a nascer deserdado, a recomeçar do nada, sem ego e vaidade, sem a compaixão dos defeitos. Ainda que incomode, recuso amputar essa retração, que me despoja do orgulho e me violenta com restrições, que me agride e exige pudor, que me devassa e reivindica timidez, que me censura e me impele a reescrever.


Gosto da badalação, sair com amigos, dançar, mas há um limite. O limite é minha tristeza incurável, uma tristeza de rosto que pode ser confundida com cansaço e que aparece pedindo mesada em público. Meu rosto é triste, os olhos são caídos e a boca pequena. Tenho que fazer o dobro do esforço para que meus traços naturalmente melancólicos encontrem linhas alegres. A feição me contraria. Não consigo passar todo o tempo em movimento, no convívio aberto, dependo de momentos de isolamento, de paz e de incertezas para não me viciar nos cadarços.


Minha ânsia é voltar para casa correndo, fechar o quarto, pedir colo para a minha mulher ou meus filhos, e reequilibrar o silêncio. Eu me descubro roubado quando digo mais do que precisava, confesso mais do que podia. Apesar da confiança e da segurança aparentes, mal sabem o terror que me consome entre as palavras. As palavras são sempre rápidas para quem ouve e lentas para quem fala.

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