quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

3/18/2006 10:24:56 AM

PRECONCEITO COM BLOGS

Imagem de Peter Blake


Fabrício Carpinejar





Hoje saiu crítica na Folha de São Paulo (leia abaixo) sobre meu novo livro, O AMOR ESQUECE DE COMEÇAR (Bertrand Brasil). Marcelo Pen não gostou, respeito sua opinião. Mas o que me espantou foi a sua postura, não a crítica negativa. Vejo que o fato de escrever para a internet não é visto com bons olhos. Em certo momento do texto, diz: "Até um passado bem recente as crônicas estiveram intrinsecamente ligadas aos jornais e revistas em que saíam antes de serem reunidas em livros". Parece que se tivesse publicado as crônicas em grandes jornais estaria perdoado. Não é estranho? Ele comenta que me desvio da reflexão sobre o cotidiano. Falar do tampo de vidro do fogão, de brinquedos quebrados, de copos partidos, da corrupção no amor, das delicadezas dos relacionamentos, do gemido ao comer queijo com goiabada, das dificuldades maternas, da beleza de uma mulher dormindo não são temas do cotidiano? Desculpe, eu me sinto um alienígena. Ele comenta ainda que escrevo obviedades, como: "Dar um tempo é um tchau que não teve a convicção de um adeus" ou "solidão não é prejudicial à saúde". Não me arrependo de nenhuma das duas frases. O amor é uma obviedade que precisarei a vida inteira. Ressalta que dou conselhos morais, a exemplo de "Não falem mal do ex ou da ex na frente da criança". Não sou desprovido de moral, o que considero uma virtude, e o que sofri quero alertar para que os outros não sofram da mesma forma.


Por que acontece esse preconceito com os textos na internet? Marcelo Pen deixa de criticar o autor para criticar os leitores do blog. Vocês. Acredita que vocês não podem ser inteligentes, não podem ser sensíveis, que não têm capacidade de discernimento, que aceitam qualquer coisa. Tudo o que sempre tentei mostrar que é errado. Novamente o leitor é posto no banco de réus. Por Deus, não aceitem isso.



Folha de São Paulo, Ilustrada

São Paulo, sábado, 18 de março de 2006


OBRAS EMULAM LINGUAGEM DA WEB



MARCELO PEN

CRÍTICO DA FOLHA


Um fenômeno de dupla face, relacionado à produção e recepção de textos pela internet, vem afetando as esferas da criação e da autoria no cenário das letras.


Faz algum tempo nossos novos e nem tão novos autores resolveram investir nos blogs, onde colocam biografia, bibliografia, idéias e textos. Alguns, a exemplo do gaúcho Carpinejar, fazem a ponte entre a via eletrônica e a impressa, publicando livros com base nos textos dos blogs, como "O Amor Esquece de Começar". Carpinejar chama suas pequenas criações em prosa de "crônicas". Até um passado bem recente as crônicas estiveram intrinsecamente ligadas aos jornais e revistas em que saíam antes de serem reunidas em livros.


Quanto aos planos da forma e do conteúdo, as coisas são mais complexas. A crônica sempre foi palco bastante livre, em que cabem comentários sobre o dia, notas filosóficas, diálogos dramáticos, anedotas etc. Diante dessa força centrífuga, os textos de Carpinejar de fato são crônicas.


Em consonância com a característica pessoal dos blogs que as suscitaram, porém, essas crônicas se afastam de sua origem histórica, desviando-se da reflexão sobre o cotidiano. Andam num campo mais rarefeito, deitando a opinião do autor sobre tópicos universais como o amor, o desejo, a solidão.


As frases se pautam por esse caráter de definição geral, às vezes resvalando para a platitude: "Dar um tempo é um tchau que não teve a convicção de um adeus", "solidão não é prejudicial à saúde". Quando não se voltam para o aconselhamento moral: "Não falem mal do ex ou da ex na frente da criança". Os internautas parecem gostar desse tipo de abordagem, tanto que prestigiam não só os blogs quanto as colunas em sites de relacionamentos, como a da escritora Martha Medeiros.


Mas, como no reino difuso da web nem tudo é o que parece ser, Martha é vítima de ladrões de textos, que os surrupiam e os veiculam sob alcunha alheia, como mostra "Caiu na Rede", de Cora Rónai. Martha tem textos seus atribuídos a Mario Quintana, Arnaldo Jabor e Luis Fernando Verissimo. O último parece ser o campeão de textos difundidos com seu nome. A lógica está em imputar a um autor mais conhecido frutos de seara bem diversa.


Não há nada de novo na polêmica da autenticidade autoral. No Renascimento, discípulos pintavam obras imitando o estilo do mestre. O problema, hoje, está na ignorância que, dentro da democracia desgovernada da rede mundial, promove a confusão de alhos com bugalhos, ou de comunitário com rebotalho.


O Amor Esquece de Começar

Autor: Carpinejar

Editora: Bertrand Brasil

Quanto: R$ 35 (288 págs.)

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Caiu na Rede

Autor: Cora Rónai

Editora: Agir

Quanto: R$ 24,90 (128 págs.)

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